Terra/Estadão
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O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou nesta sexta-feira, 4, que, entre os "riscos do Brasil", o "risco fiscal talvez seja o menos importante, porque se sabe como resolvê-lo". Na visão dele, o "maior risco" para o País seria um "risco global": o crime organizado.
Durante o Fórum Jurídico de Lisboa, conhecido como "Gilmarpalooza", o governador pregou o combate à infiltração do crime em negócios lícitos - "o que afasta a competitividade". Também defendeu a "estruturação" das forças armadas" para combater as relações entre o narcotráfico e questões de segurança global.
Para Tarcísio, a fórmula para equacionar a questão fiscal no País "é conhecida". "O Brasil passou por reformas muito relevantes nos últimos anos e, no final, a gente criou as condições ou as bases para ter uma economia relativamente arrumada. Obviamente, algumas coisas hoje não estão andando bem, mas é fácil arrumar, é fácil ajustar", ponderou.
"As alavancas são bem conhecidas e aí a gente está falando de aumentar o fluxo de capital estrangeiro, a gente está falando de apreciar câmbio, a gente está falando de diminuir inflação, a gente está falando de reduzir taxa de juros e a gente está falando de ter mais recursos para investir e nos tornar menos vulneráveis para algumas questões aqui em relação à América do Sul, que nos deixam, que talvez realmente se constitua o maior risco", completou o governador.
O "maior risco", segundo Tarcísio, seria o crime organizado. Segundo o governador, o Brasil tem que "pensar em fazer o seu dever de casa para que possa voltar a investir em defesa". Ele ponderou que o País tem uma fronteira seca muito extensa, assim como uma extensa costa e não pode "ficar absolutamente desguarnecido".
"Guarnecer as fronteiras significa ter condição de combater o crime organizado, a infiltração do crime organizado no território nacional, a infiltração desse crime nos negócios lícitos, o que afasta a competitividade, o que destrói os negócios daqueles que jogam a regra do jogo, e contar com forças armadas equipadas para fazer essa vigilância, contar com tecnologia de ponta, é fundamental para que a gente possa vencer essa guerra e mitigar esse risco que, para mim, é o maior risco que o país passa hoje", indicou.
Na avaliação de Tarcísio, se o País não se atentar para o tema, haverá "dificuldade com alguns negócios em alguns segmentos". Além disso, o governador destacou as ligações entre o narcotráfico e questões de segurança global, como a "relação estreita que pode existir entre narcotráfico e terrorismo". "É por isso que as forças armadas precisam estar equipadas, estruturadas. Agora isso não vai acontecer se a gente não tiver as condições fiscais para isso. E aí tem um exercício, tem um dever de casa que é bem conhecido e que precisa ser feito", apontou.
Brasil pode 'surfar onda' de incertezas
Durante o evento, Tarcísio afirmou que, em meio a um cenário de instabilidade mundial, o Brasil pode "se aproveitar" de "oportunidades" nos campos da cooperação, militar e econômico. Segundo o governador, o País "tem que "transformar fragilidade em oportunidade" e "aproveitar campos que se abrem" em temas como transição energética, segurança alimentar e economia do conhecimento.
"Nesse ambiente de incerteza, o mundo vai precisar de parcerias, o mundo vai precisar de confiança no que diz respeito à segurança alimentar. E aí, em especial, o Brasil pode se aproveitar disso. Se o mundo precisa de um parceiro confiável em termos de segurança alimentar, estamos nós aqui. O mundo vai que precisar de parceiros confiáveis no campo da segurança energética. E se o mundo precisa de parceiros confiáveis na segurança energética, estamos nós aqui de novo", disse.
O governador fez a primeira colocação sobre as "oportunidades" após indicar que, em meio às instabilidades, a estratégia das nações tem que mudar rapidamente, citando especificamente o fato de a União Europeia "não poder mais contar com o gás russo".
"Observe o redesenho que vai ter que haver na Europa agora com relação ao gás russo no sentido de diversificar a produção de energia. E nesse sentido a gente fica pensando onde a gente pode cooperar em um cenário onde a própria ação militar é completamente diversa, completamente diferente daquilo que a gente imaginou", refletiu.
O mandatário então citou o efeito da tecnologia e o "campo enorme" para cooperação entre países europeus e sul-americanos sobre o tema. "A gente tem que aproveitar esse estressamento, aproveitar essa fragilidade, essa incerteza para transformar isso em oportunidade, para nos fortalecer e aproveitar de fato um campo que está se abrindo para nós, no que diz respeito à transição energética, no que diz respeito à segurança alimentar, no que diz respeito à economia do conhecimento, para que a gente possa de fato surfar um pouco essa onda e aproveitar essas oportunidades. As janelas que estão se abrindo, precisamos nos fortalecer mutuamente, nos preparar para essa nova ordem global", destacou.
Perda de expressão de órgãos multilaterais 'preocupa muito', diz Tarcísio
Tarcísio fez as declarações ponderando que o mundo vive um cenário de "unimultipolaridade" - de um lado há uma hegemonia americana no campo militar, mas, nas outras expressões do poder, "há uma multipolaridade com algumas outras potências emergindo, sobretudo no campo econômico, no campo cultural e no campo diplomático".
O governador afirmou que, nesse cenário, "preocupa muito" a perda de expressão de órgãos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial do Comércio (OMC).
"A gente tem que se questionar como blocos militares passarão ou voltarão a ser relevantes com a própria Organização do Tratado do Atlântico Norte. E essa relevância virá da convergência, do alinhamento de discursos e do alinhamento de ações em segurança e política externa", apontou.
Foco em transição energética
Tarcísio afirmou que aproximação do País com determinados países, em especial China e Estados Unidos, precisa seguir a tradição da diplomacia brasileira e "se pautar pela neutralidade e olhar o interesse nacional". O mandatário afirmou que "não existe amizade entre países, mas interesse" e que o Brasil tem que investir em suas "vocações".
"Estamos vivendo ou caminhando para uma situação de desglobalização, como alguns colocam, e isso abre uma série de janelas de oportunidades para nós. Se a gente souber canalizar energia para aquilo que são as nossas vocações - e eu destaco pelo menos três grandes vocações, da biotecnologia, da economia do conhecimento e da transição energética - a gente tem condição de se sair bem nessas relações com China e com os Estados Unidos, defendendo aquilo que é o interesse brasileiro, aquilo que é o interesse nacional", ponderou.
Segundo Tarcísio, a "geopolítica mudou muito rapidamente e o que era pessimismo há muito pouco tempo atrás, virou otimismo". O governador explicou as mudanças para tratar das "oportunidades" que o País teria: "O mundo tomou um susto pós-pandemia com a questão da concentração dos mercados na China. Nós temos muitas empresas saindo hoje da China, procurando novos endereços. O mundo busca uma diversificação, o mundo topa pagar mais caro pela sustentabilidade. A experiência chinesa na África tem sido mal sucedida. E agora nós temos a guerra de tarifas".
Com relação ao alinhamento com os países do Sul, Tarcísio ponderou que tais países detêm hoje a maior população mundial e que já representam quase 50% da economia global. "Se eu pensar em aspectos econômicos, em aspectos populacionais, a gente está falando de uma relevância maior do que a dos países do G7", indicou.
De outro lado, Tarcísio ponderou que alguns de tais países "têm uma grande fragilidade, que é justamente a fragilidade democrática". "Isso talvez nos afaste dos maiores investidores e dos melhores mercados", ponderou.
"É como se a gente tivesse um estoque de capital gigantesco para competir, e a gente estivesse restringindo as nossas possibilidades a uma parcela muito ínfima, muito pequena, deste capital. Então, quando a gente se alinha a países que têm essa ordem de fragilidade, essa ordem de governança, que se afastam de algumas práticas, daquelas que são as preconizadas pela OCDE, a gente vai ficando distante também de uma parcela relevante de investimento e isso é extremamente perigoso", indicou.