Beatriz Araujo
Terra
Foto-JOTA Info
Em meio à escalada das tensões entre o Brasil e os EUA, o Supremo Tribunal Federal (STF) é um dos alvos do governo Trump. O Supremo não cedeu às pressões, seguiu seus ritos, e desagradou a nação norte-americana, que suspendeu vistos de Alexandre de Moraes e de outros sete ministros. Essa foi a primeira sanção. O que virá, agora, pode ser a aplicação da Lei Magnitsky, para a “morte financeira” de ministros. Ao Terra, especialistas comentam sobre a questão.
A Lei Magnitsky permite que os Estados Unidos imponham uma série de sanções econômicas e proibição de entrada no país a acusados de grave corrupção ou violações de Direitos Humanos. E sua possível aplicação ao Supremo não é uma simples questão de especulação: em maio passado, após Bolsonaro se tornar réu por suposta tentativa de golpe de Estado, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, chegou a afirmar haver uma “grande possibilidade” da Lei Magnitsky sancionar Moraes – o relator do processo contra a trama golpista.
A pressão pela aplicação da Lei Magnitsky também corre no Tribunal da Flórida por empresas de mídia que processam Moraes pelo bloqueio de perfis nas redes sociais – o que caracterizam como censura e violação de Direitos Humanos. Além disso, enquadrar o ministro neste dispositivo tem sido o principal apelo de bolsonaristas a Trump.
Priscila Caneparo, pós-doutora em Direito Internacional, alerta que os departamentos de Estado e de Tesouro dos Estados Unidos são criteriosos na aplicação desta lei. Isso porque se trata de uma sanção que afeta a soberania de outro Estado – e, nesse caso, é ainda mais sensível por ser direcionada ao poder judiciário do Brasil. “Nunca houve uma aplicação dessa lei a ministros das altas cortes de outros estados”, explica.
Para que a Lei Magnitsky seja aplicada, no que diz respeito ao direito internacional, são necessárias provas concretas e documentadas de grave violação de direitos humanos – como tortura, detenção arbitrária, desaparecimento forçado de pessoas –, crimes contra a humanidade ou corrupção sistemática com implicação internacional, pontua a especialista.
“A gente vê que as acusações contra os ministros que circulam podem ser consideradas como sinal de possível abuso de poder, mas não foram reconhecidas por nenhuma investigação internacional. Tem que ter provas robustas, como qualquer outro processamento. E a falta de uma investigação independente ou denúncia formal com peso jurídico, dificulta o uso da Lei Magnitsky”, avalia Priscila.
Mesmo assim, é preciso lembrar que essa é uma lei aplicada pelo Executivo dos Estados Unidos. Uma sanção unilateral, de governo, direcionada a um indivíduo. “Então pode haver uma arbitrariedade na aplicação dessa lei, por mais paradoxal que soe”.
Manuel Furriela, também especialista da área do Direito Internacional, pontua que “acreditar ou não que uma decisão judicial é a mais acertada não dá direito à aplicação dessa lei”. Nisso, ele avalia que não há questões que atentem contra a democracia nas decisões praticadas pelo Supremo, nem contra a ordem do Estado, os valores americanos ou sobre os Direitos Humanos.
“Há discussões pontuais sobre procedimentos do Tribunal, mas, em termos gerais, é uma questão de liberdade que tem os juízes na interpretação das provas apresentadas nos processos”, continua Furriela.
Além disso, segundo ele, há um entrave interno nos EUA a respeito da aplicação da Lei Magnitsky ao Supremo brasileiro. Ele explica que o departamento que cuida de ativos internacionais e que seria acionado para esse tipo de aplicação entende que o STF estaria exercendo a sua competência de análise, de julgamento e de tomada de decisão, não se enquadrando no dispositivo legal norte-americano.
No âmbito pessoal, Alexandre de Moraes, por exemplo, está com seu visto dos Estados Unidos suspenso após medida do governo Trump. Com relação às questões financeiras, contas e bens no sistema financeiro dos Estados Unidos são bloqueados. Mas não é só isso.
Mesmo que Moraes não tenha ativos nos EUA, ele ficaria impossibilitado de usar cartões de crédito, contas bancárias ou serviços de companhias que sejam de empresas norte-americanas. Por isso chamam a medida de “morte financeira”, por ser de grande impacto ao considerar a influência dos EUA na economia. Qualquer cartão com uma bandeira que atue nos Estados Unidos, por exemplo, já estaria fora de uso para a pessoa enquadrada na lei.
Por ser uma ação do próprio governo dos Estados Unidos, não há um meio formal, na perspectiva jurídica, de alguém se proteger da Lei Magnitsky, pontua Priscila Caneparo. O que pode ser feito, teoricamente, é contratar advogados para tentar reverter ou mitigar as sanções via Departamento de Estado – que é o departamento executivo do governo federal dos EUA responsável pela política externa do país.
Já para além do individual, se Alexandre de Moraes ou qualquer outro ministro brasileiro for enquadrado na Lei Magnitsky, será um fator de agravamento na crise diplomática entre os países.
“O que pode acontecer é o Brasil tomar essa questão como uma questão de Estado, [na linha do] que a gente está observando, tentar negociar ou protestar na via diplomática, ou ainda ingressar com uma ação contra os Estados Unidos na Corte Internacional de Justiça”, complementa a especialista.
Além de poder enquadrar a ação como uma afronta à soberania do Brasil, o país também teria margem para acusar os EUA de interferência em gerência no ambiente externo de outros estados, “o que é totalmente proibido no Direito Internacional Econômico”.
Pano de fundo: taxação de 50%, operação da PF contra Bolsonaro e mais
O Brasil segue sob a ameaça da tarifa de 50% sobre as importações brasileiras anunciada por Trump, prevista para entrar em vigor no dia 1º de agosto. Para o governo Lula, que articula para reverter a situação, a medida é uma “chantagem inaceitável”, já que Trump relacionou a aplicação da taxa ao julgamento que aponta Jair Bolsonaro como parte do “núcleo central” da trama golpista nas eleições passadas.
Em paralelo ao julgamento de golpe de Estado, há um inquérito que investiga Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente e deputado federal, por suas articulações com o governo Trump que estariam instigando sanções contra autoridades brasileiras. Jair Bolsonaro é visto como participante dessa mobilização e, por isso, foi alvo de uma ação da Polícia Federal na última sexta-feira, 18.
Essa conexão se deu, para o ministro Alexandre de Moraes, relator dos casos, ao ex-presidente "confessar sua consciente e voluntária atuação criminosa na extorsão que se pretende contra a Justiça brasileira" por condicionar o fim da taxação de 50% imposta pelo presidente dos Estados Unidos ao Brasil à sua própria anistia. Além disso, pesou o fato de Bolsonaro ter repassado R$ 2 milhões, como ele mesmo declarou, ao seu filho, nos EUA, para auxiliar em sua permanência por lá.
Com a decisão de Moraes, Jair Bolsonaro passou a estar sob medidas restritivas. Ele começou a usar tornozeleira eletrônica, está proibido de acessar redes sociais, terá que ficar em recolhimento domiciliar de 19 horas às 6 horas de segunda a sexta-feira e em tempo integral nos fins de semana e feriado, e está proibido de se comunicar com embaixadores e autoridades estrangeiras e de aproximar de sedes de embaixadas e consulados. Para a defesa de Bolsonaro, "as graves medidas cautelares foram impostas em função de atos praticados por terceiros, circunstância inédita no direito brasileiro".
Moraes avaliou que o ex-presidente descumpriu as medidas ao ter concedido entrevistas que foram veiculadas nas redes sociais e pediu explicações à sua defesa. Os advogados de Bolsonado negam o descumprimento e pedem esclarecimento sobre as proibições impostas. Até a noite desta quarta-feira, 23, o ministro não deu sua devolutiva – que pode vir na forma de um parecer mais detalhado sobre as medidas cautelares ou, até mesmo, no pedido de prisão preventiva de Bolsonaro.
Em paralelo, a revogação dos vistos de Moraes e de outros ministros do STF se deu como resposta direta do governo Trump à ação da PFcontra Bolsonaro. O anúncio veio por meio de publicação no X, antigo Twitter, feita por Marco Rubio, o secretário de Estado dos Estados Unidos. Segundo ele, o governo dos EUA "responsabilizará estrangeiros responsáveis pela censura de liberdade de expressão protegida nos Estados Unidos".
"A caça às bruxas política do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, contra Jair Bolsonaro criou um complexo de perseguição e censura tão abrangente que não apenas viola direitos básicos dos brasileiros, mas também se estende além das fronteiras do Brasil, atingindo os americanos", acrescentou Rubio, na ocasião.
Familiares e apoiadores de Jair Bolsonaro tem dobrado a aposta. Nesta quarta-feira, 23, por exemplo, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), um dos filhos do ex-presidente, protocolou um pedido de impeachment contra Moraes.
Fonte: Redação Terra