O Supremo Tribunal Federal (STF) incluiu na pauta desta semana um dos julgamentos mais aguardados do Direito do Trabalho nos últimos anos: a possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício entre trabalhadores e aplicativos de entrega e de intermediação de serviços. A discussão ultrapassa a esfera jurídica e alcança dimensões sociais e econômicas.
O processo em análise é a Reclamação nº 64.018, envolvendo a Rappi Brasil. Na sessão de 1 de outubro de 2025, os ministros não votarão o mérito, mas acompanharão a leitura do relatório e ouvirão as sustentações orais das partes, etapa preliminar para a definição de uma futura data de julgamento. Embora não trate de aplicativos de transporte, como Uber ou 99, o caso tem potencial de influenciar a jurisprudência sobre todas as plataformas digitais.
Especialista aponta impactos
Segundo a advogada Camila Zatti Araponga, especialista em Compliance Trabalhista e Direito do Trabalho do escritório Bruno Freire Advogados , o julgamento da Rappi vai muito além de uma disputa pontual.
“O STF não apenas decide um caso isolado. Ele define parâmetros que moldarão o futuro das relações de trabalho digitais no Brasil. Se reconhecer o vínculo, teremos uma transformação profunda no setor, com impactos imediatos para empresas e consumidores. Se não reconhecer, cresce a pressão para uma legislação intermediária, que garanta proteção social sem retirar a flexibilidade que caracteriza esse modelo”, conclui.
O que está em jogo
Atualmente, entregadores e motoristas de aplicativos atuam como autônomos, sem carteira assinada, FGTS, férias ou 13º salário. Essa realidade poderá ser transformada a partir da decisão do STF.
Se houver reconhecimento do vínculo, as plataformas terão que registrar formalmente os trabalhadores e conceder direitos trabalhistas, como jornada definida, benefícios previdenciários e estabilidade contratual. Na prática, isso poderá elevar custos e, possivelmente, encarecer corridas e entregas para os consumidores. Por outro lado, significaria maior proteção social e redução da insegurança jurídica.
Caso a Corte mantenha o entendimento de que não há vínculo, prevalecerá o modelo atual, baseado na flexibilidade de horários e autonomia de rotas, mas sem garantias trabalhistas mínimas. A Justiça do Trabalho, por sua vez, terá que adequar suas decisões, respeitando a orientação do Supremo.
Um divisor de águas
Estima-se que milhões de trabalhadores no Brasil dependem total ou parcialmente de plataformas digitais como fonte de renda. Para empresas, a decisão poderá significar a redefinição de seus modelos de negócio. Para o Estado, impactará diretamente no financiamento da seguridade social e no equilíbrio entre formalidade e informalidade no mercado de trabalho.
Nos últimos anos, o STF tem se posicionado majoritariamente contra o reconhecimento do vínculo em casos semelhantes. Caso mantenha essa tendência, caberá ao Congresso Nacional e ao Poder Executivo criar um marco regulatório que assegure direitos mínimos sem engessar a autonomia valorizada pelos trabalhadores.