Por:
Geovani Bucci-Estadão
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino afirmou nesta sexta-feira, 3, que espera que o Congresso não reduza as penas aplicadas pela Corte aos condenados por tentativa de golpe de Estado, como deve prever o projeto de lei (PL) da Dosimetria. Segundo ele, a fixação das punições pelo STF segue padrões internacionais e está em linha com a tradição jurídica brasileira.
"Há uma decisão quase unânime da Corte dizendo que crimes como este não comportam extinção de punibilidade por decisão política", afirmou Dino. "Em relação ao tamanho da pena (...) o Congresso pode mudar? Pode. Eu, particularmente, espero que não o faça, porque considero a lei vigente boa."
O magistrado ressaltou que crimes como tentativa de golpe, terrorismo e delitos hediondos não são passíveis de anistia ou indulto, posição já consolidada pelo Supremo em decisões anteriores e que ele considera majoritária na Corte. Embora reconheça que o Congresso tenha poder para alterar a legislação, afirmou esperar que isso não ocorra, por entender que a norma em vigor é adequada, sobretudo por diferenciar duas condutas distintas: a tentativa de depor um governo legitimamente eleito, que atinge o Executivo, e a de abolir o Estado Democrático de Direito, que atinge os demais Poderes.
Além disso, Dino rechaçou a aprovação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) de um projeto que pretende limitar decisões monocráticas dos ministros do Supremo. Ele afirmou que tais medidas sempre fizeram parte do cotidiano do Judiciário e estão previstas em lei, justamente para casos em que há jurisprudência consolidada. Para ele, a proposta do Congresso não deve alterar de modo substantivo a prática atual.
"Não há nenhuma decisão tão grave - falamos aqui de emendas, de meio ambiente, de crimes - que tenha sido monocrática. Nenhuma dessas foi. Então, na verdade, há uma incompreensão", disse o ministro. "Lembro que todos os Poderes têm decisões monocráticas. O presidente da Câmara profere decisões monocráticas. O presidente do Senado profere decisões monocráticas. Eles fazem a pauta, a ordem do dia, decidem questões de ordem, designam relatores."
Confunde-se liberdade com 'vale-tudo', diz Dino
Dino criticou também o que se referiu como confusão entre liberdade e "vale-tudo" ou "lei da selva" ao se referir sobre direitos trabalhistas e o Marco Civil da Internet. Segundo o magistrado, não se pode abrir mão de debater a regulação sobre esses temas.
"(O papel do STF) é desafiador no momento em que se confunde liberdade com vale-tudo, liberdade com lei da selva, liberdade com um cenário hobessiano em que os desejos são destituídos de fronteiras", disse Dino. "(Quando) qualquer tipo de limite é quase que automaticamente adjetivado como censura, ditadura, como algo, portanto, a ser afastado", continuou.
Durante palestra no XV Congresso Internacional de Direito e Processo do Trabalho, no Sesc Pinheiros, em São Paulo, o ministro afirmou o Supremo deve aprofundar o debate sobre leis trabalhistas em cerca de 30 dias com a análise de uma ação, relatada pelo ministro Gilmar Mendes. Esse processo, segundo ele, aprofunda o debate sobre contratos civis com trabalhadores autônomos, a competência da Justiça do Trabalho e a discussão em torno da terceirização e de sua "degeneração", a chamada pejotização.
"Espero que não prevaleça a lógica de desregulação selvagem do trabalho que existe hoje", disse Dino, afirmando que o STF vai buscar uma "liberdade regrada" para o trabalhador autônomo, à semelhança do Marco Civil da Internet. "É possível trabalho sem ser regido exclusivamente pela CLT, mas não significa proibi-la."
Dino afirmou que o Judiciário não representa uma ameaça à democracia, mas, ao contrário, é quem a garante, sobretudo pela capacidade de impor limites e dizer "não". Segundo o ministro, cabe à Corte assegurar as regras do jogo e os valores fundamentais da sociedade, ainda que, em muitas ocasiões, isso implique adotar uma postura contramajoritária.
O ministro ressaltou que o desafio é maior quando novos fenômenos sociais surgem e precisam ser submetidos a regras, sem caráter absoluto, especialmente num contexto em que correntes dominantes estimulam abusos. Para ilustrar, citou o cenário atual de "constitucionalismo abusivo" que, segundo ele, não se restringe ao Brasil, mas também afeta instituições jurídicas nos Estados Unidos.