Uma abordagem da Polícia Rodoviária Federal (PRF) a uma caminhão-pipa foi o que descobriu, por acaso, o megaesquema criminoso alvo da megaoperação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, da Receita Federal, e da Polícia Federal deflagrada nesta quinta-feira (28/8).
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No dia 14 maio de 2023 em Guarulhos, agentes da PRF abordaram o motorista do veículo Renan Diego Inocência da Silva transportando metanol. A substância, que é utilizada no setor químico para produção de biodiesel, estava sendo desviada para a adulteração de combustível em um complexo esquema de importação e distribuição revelado a partir dessa primeira apreensão.
O metanol era carregado no terminal marítimo de Paranaguá, no Paraná, e tinha como destino fiscal em empresas químicas em Primavera do Leste, Mato Grosso. Mas, na prática, ele era entregue diretamente em postos da Grande São Paulo, onde o combustível era adulterado. Em alguns casos, o metanol adicionado correspondia até 50% da composição da gasolina comercializada.
As investigações detalham que, ao invés de percorrer a BR-163, que liga o Paraná ao Mato Grosso, os motoristas cooptados usavam a Rodovia Régis Bittencourt e descarregava o metanol no Autoposto Bixiga, localizado na Bela Vista, na região central de São Paulo. Para simular a legalidade do trajeto e permitir a importação do produto, uma empresa emitia centenas de “tickets de pesagem” com o volume de metanol que seria, teoricamente, entregue no Mato Grosso.
“Foi estimado pela Polícia Federal o desvio de mais de 10 milhões de litros de metanol para o emprego irregular em postos de combustíveis, havendo indícios de participação e chancela de distribuidoras de combustíveis. Além da venda volumosa das importadoras e dos terminais marítimos, com evidente fim distinto daquele supostamente documentado, por vezes o metanol era transportado com notas fiscais ‘quentes’ – ou seja, de álcool ou gasolina, para simular a idoneidade da carga”, segundo aponta a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Por meio das investigações sobre essa empresa e do compartilhamento de informação entre a PRF com outros órgãos de investigação, foi revelado o ecossistema de crimes. Dezenas de empresas químicas e transportadoras eram usadas para fraudar os combustíveis de forma sistemática.
A partir do esquema do metanol, as investigações descobriram a organização criminosa envolveria toda a cadeia de combustíveis, como explicou o promotor do Gaeco de Guarulhos, Yuri Fisberg:
“Em Guarulhos, houve uma apreensão de um caminhão-pipa com metanol pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) na Dutra, no ano retrasado. Com a apreensão desse caminhão, a PF começou uma investigação sobre porque esse metanol, que era destinado ao Mato Grosso do Sul, foi apreendido aqui indo para um posto na Grande São Paulo”, disse Fisberg em coletiva de imprensa nesta quinta.
De acordo com o promotor do Gaeco, “essa investigação da Polícia Federal ensejou já três denúncias do MPSP por organização criminosa, em diferentes núcleos, e três por lavagem de dinheiro. Dessas operações, outras provas foram surgindo, e se identificou o andar de cima, que demonstra justamente o metanol chegando desde o porto de Paranaguá e esse desvio, entre químicas, transportadoras e os núcleos, que por coincidência são semelhantes a núcleos que já foram investigados pelos Gaecos, e também por outros dois PICs”.
“Banco paralelo” movimentou R$ 46 bi
O esquema de adulteração envolvendo o desvio de metanol operava por meio da atuação da BK Bank, fintech apontada pelo MPSP por funcionar como um “banco paralelo”. A instituição financeira centralizava as movimentações de empresas de fachada responsáveis por fornecer documentos fiscais para obtenção do produto químico.
A BK Bank também recebia diretamente valores em espécie, um procedimento apontado como estranho à natureza da instituição de pagamento. Entre 2022 e 2023, foram efetuados mais de 10,9 mil depósitos em espécie, totalizando mais de R$ 61 milhões.
Além da fintech, a Receita Federal aponta para o envolvimento de pelo menos 40 fundos de investimentos utilizados como estruturas de ocultação de patrimônio. Segundo a receita, as mesmas pessoas envolvidas com as empresas operadoras do esquema controlavam diversas instituições de pagamento menores, usadas para criar uma dupla camada de ocultação.
Entenda o esquema bilionário
- A megaoperação deflagrada na manhã desta quinta-feira (28/8) em oito estados, a maior contra o crime organizado no país, aponta um complexo esquema de fraude em postos de combustíveis e fintechs que tinha núcleos comandados pelo PCC.
- Mais de 350 pessoas e empresas são alvos da força-tarefa.
- De acordo com a investigação, a fraude começava na importação irregular de metanol, que chega ao país pelo Porto de Paranaguá, no Paraná.
- O produto, que era para ser entregue para empresas de química e biodiesel indicados nas notas fiscais, era desviado para postos de combustíveis.
- Segundo a Receita Federal, cerca de 1.000 postos de combustíveis vinculados ao grupo movimentaram R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024.
- São cumpridos mandados de prisão, busca e apreensão em oitos estados: São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio de Janeiro e Santa Catarina.