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Crime organizado

Como em 20 anos o PCC saltou de facção com 5 mil criminosos para virar máfia com 40 mil membros

Após execução de ex-delegado-geral da polícia em SP, promotores ouvidos pelo g1 apontam ausência do Estado como um dos motivos para crescimento do PCC. Governo estadual diz realizar ações; governo federal não respondeu

Administração

Por Kleber TomazIsabela LeiteCíntia Acayaba, g1 SP e GloboNews — São Paulo
Foto-ABC do ABC
 
 
A confirmação da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) de que o Primeiro Comando da Capital (PCC) matou nesta semana o ex-delegado-geral da Polícia Civil do estado voltou a mobilizar autoridades sobre a necessidade de agir para combater a principal organização criminosa do país.

PCC, que surgiu há mais de 30 anos em uma prisão e há duas décadas era uma facção com 5 mil criminosos, exclusivamente no estado de São Paulo, se espalhou pelo Brasil e pelo mundo. Atualmente conta com cerca de 40 mil membros e já é considerada uma máfia, segundo o promotor Lincoln Gakiya, que investiga há décadas a ação do grupo criminoso no estado de São Paulo. 

O que nos preocupa é que a organização está tomando tamanho de máfia, se infiltrando no estado, participando de licitações de estado. Isso é característico de máfias, como a gente já viu na Itália. (…) E essa operação está atuando na asfixia financeira desse grupo”, afirmou o promotor ao g1 em 2024.

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O ex-delegado Ruy Ferraz Fontes foi morto a tiros na segunda-feira (15) em Praia Grande, litoral paulista, 20 anos após prender Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. O líder do PCC foi detido em 1999 por formação de quadrilha.

O ex-policial tinha 64 anos, estava aposentado, andava armado, mas não possuía escolta, e trabalhava como Secretário da Administração na cidade da Baixada Santista - um dos redutos do Primeiro Comando da Capital no estado. Por conta da atuação no enfrentamento ao PCC, Ruy, outros policiais, promotores e juízes passaram a ser ameaçados de morte pelos integrantes da organização criminosa.

Em 2006, quando orquestrou uma série de ataques contra as forças de segurança de São Paulo, o PCC era uma facção com 5.012 criminosos identificados no estado.

O ex-delegado Ruy, aliás, foi um dos pioneiros a montar o organograma de como funcionava e quais eram os membros do Primeiro Comando da Capital. O PCC surgiu em 1993 na Casa de Custódia de Taubaté, no interior paulista, como uma proposta contra o que chamava de "opressão carcerária". 

 

As informações com nomes e fotos dos criminosos do Primeiro Comando da Capital, onde traficavam drogas, etc., passaram a ser compartilhadas entre polícias, Ministério Público (MP) e Justiça.

Esse "mapa do PCC", que pode parecer simples atualmente, começou a atrapalhar o funcionamento e os negócios criminosos da facção. O que irritou a cúpula do Primeiro Comando da Capital, principalmente depois que seus chefes foram um a um presos em operações da polícia e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP.

Ex-delegado-geral executado em SP atuou há mais de 20 anos no combate ao PCC 

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Ministério Público 

g1 conversou com três promotores do Gaeco a respeito da preocupação deles com o avanço do PCC, que atualmente tem tentáculos nos próprios órgãos de fiscalização do Estado e em grandes centros comerciais.

Segundo os representantes do Ministério Público, os mesmos órgãos do governo do estado de São Paulo e os federais foram responsáveis pela ascensão do Primeiro Comando da Capital.

Veja abaixo as declarações que eles deram sobre o assunto:

"O que eu posso dizer é que esse crescimento, evidentemente, não foi da noite para o dia. Ele tem pelo menos duas décadas. O que a gente pode perceber é que houve falhas, sim, do Estado como um todo no controle dessa organização criminosa", afirmou Gakiya.

"Tanto na questão do conhecimento, das investigações qualificadas e da persecução penal [conjunto de atividades do Estado para investigar, processar e punir a prática de infrações penais]. E das medidas que poderiam ter sido adotadas para evitar esse crescimento de maneira muito elevada", complementou.

Autoridades de SP negam acordo com quadrilha para interromper ataques em 2006 

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De acordo com os promotores, a ausência do Estado leva ao surgimento e à manutenção das organizações criminosas. E isso teve início no sistema prisional em que o PCC se organizou e fortaleceu.

"Primeiro, falta de controle do sistema penitenciário estadual nos anos 90, somada à negativa geral do problema", apontou um segundo representante do MP, que falou na condição de não ser identificado. "Criaram lemas, estruturas iniciais e normativa própria. Fator relevante nessa etapa foi a negativa de setores de segurança pública em admitir a existência do grupo."

Segundo ele, somente após os ataques do PCC em 2006 é que as forças de segurança e controle reconheceram a existência do grupo criminoso e, com o passar dos anos, atuou mais no enfrentamento dele por meio de operações, como as realizadas pelo Gaeco.

"PCC passou a ser preocupação federal apenas em 2019, com Sérgio Moro", aponta o promotor sobre o episódio em que o então senador pelo União Brasil do Paraná foi ameaçado de morte pelo Primeiro Comando da Capital em 2023.

Os criminosos planejavam atacá-lo em resposta a ações de Moro contra o crime organizado quando foi ministro da Justiça e determinou a transferência de líderes do PCC para presídios federais. 

Presos fazem rebelião na Penitenciária de Junqueirópolis, em São Paulo, em 14 de maio de 2006. O motim começou às 7 da manhã, quando familiares entravam para a visita. Os rebelados subiram no telhado e prenderam faixas na caixa d´água com os dizeres: 'PCC, paz, justiça e liberdade' e 'Contra a Opressão' — Foto: Alex Silva/Estadão Conteúdo/Arquivo

Na opinião de um terceiro promotor ouvido pelo g1 e que também não será identificado, o Estado falha quando permite "o simples funcionamento de uma biqueira [de drogas]".

Segundo ele, isso explica como o Primeiro Comando da Capital se mantém nas periferias e depois conseguiu expandir o tráfico de drogas para outros países. "O PCC é um polo atrativo natural para qualquer traficante de drogas e isso acaba se estendendo para qualquer outro criminoso que queira realizar uma ação mais estruturada, como assaltos a carros fortes."

Dados do Gaeco indicam que a expansão e manutenção do PCC se deve também ao montante em dinheiro que o grupo criminoso consegue anualmente. 

Para efeito comparativo, em 2010, a então facção arrecadava R$ 12 milhões por ano com o tráfico nos estados. Atualmente, esse valor supera US$ 1 bilhão (mais de R$ 5 bilhões) com o tráfico internacional _que teve início em 2016, com a venda de cocaína para a Europa pela máfia do PCC.

PCC é mapeado em 28 países e expande tráfico de drogas e armas 

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O Primeiro Comando da Capital tem ao menos 2.078 integrantes espalhados por 28 países pelo mundo, além do Brasil. Mais da metade, 1.092, estão em presídios no exterior.

O Paraguai é o país que concentra o maior número de integrantes: 699, sendo 341 presos e 358 soltos. Já há integrantes da facção dentro de presídios europeus, na Espanha, na França, na Holanda e na Irlanda. 

O que diz o governo de SP

Procurada para comentar o assunto, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo respondeu que, desde janeiro de 2023, intensificou o combate ao crime organizado com grandes investimentos em tecnologia e inteligência, resultando em apreensão de drogas, prisões de líderes e recuperação de bens ilícitos, reforçando a integração entre forças de segurança e operações de grande impacto (veja abaixo a íntegra da nota).

"O combate ao crime organizado vem sendo intensificado desde o início da atual gestão, em janeiro de 2023. Nesse período, mais de R$ 1,1 bilhão foram investidos em tecnologia, equipamentos e inteligência policial para reforçar o trabalho das forças de segurança, que atuam de forma integrada para asfixiar financeiramente esses grupos e desarticular seu ecossistema. 

Mais de R$ 62 milhões em recursos e bens do crime organizado foram recuperados e revertidos ao Fundo Estadual de Segurança Pública e ao Ministério Público. Com apoio do Laboratório de Lavagem de Dinheiro, outros R$ 21 bilhões em movimentações ilícitas já foram identificados para futura recuperação.

As operações também se intensificaram em todo o estado, resultando na apreensão de cerca de 610 toneladas de drogas e em um prejuízo estimado de R$ 2,7 bilhões ao crime organizado. Mais de 300 mil prisões foram efetuadas, incluindo a de lideranças como Léo do Moinho, Karen de Moura Tanaka Mori, a “Japa”, e Caio Vinicius, o “Nego Boy”, que é acusado de chefiar o tráfico em uma comunidade de Santos. Operações como Salus et Dignitas e Sharpe desarticularam esquemas de lavagem de dinheiro, enquanto a Carbono Oculto atacou a adulteração de combustíveis.

A SSP-SP também ampliou ações interestaduais. Desde 2023, foram realizadas 164 operações em conjunto com o Ministério Público e ações com a Polícia Federal pela Força-Tarefa de Combate ao Crime Organizado (FICCO). Nas divisas, operações como SULMaSSP e COSUD somaram quase 12 mil prisões, além da apreensão de 55,5 toneladas de drogas e 697 armas.

A SSP-SP reafirma que todas as medidas necessárias estão sendo adotadas para conter e reduzir o poder das organizações criminosas, reforçando o policiamento, ampliando a integração entre forças de segurança e promovendo operações de grande impacto, sem qualquer tolerância ao crime organizado." 

Também por meio de um comunicado, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informou que atua constantemente para ter controle sobre a atuação do PCC (veja a nota abaixo).

"A Secretaria da Administração Penitenciária esclarece que combate diuturnamente o crime organizado, em colaboração estreita com as demais forças de Segurança Pública, além do Ministério Público. A pasta também tem diversas parcerias com o Governo Federal, incluindo troca de informações, conhecimento e tecnologia na luta contra as facções criminosas." 

O que diz o governo federal 

PCC se infiltra em presídios e é mapeado em 28 países 

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A Polícia Federal (PF), responsável por fiscalizar as fronteiras do Brasil para impedir a entrada e saída de criminosos do PCC, mais o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), que coordena o sistema penitenciário federal, foram procurados pelo g1 para comentarem o assunto, mas não se posicionaram até a última atualização desta reportagem.

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