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Potencial para se agravar ainda mais.

Silêncio do mundo a ataques de Trump ao Brasil reforça perigo de região como 'quintal dos EUA', diz pesquisador

Analista Christopher Sabatini acredita que crise entre Brasil e EUA tem potencial para se agravar ainda mais

Daniel Gallas - Da BBC News Brasil em Londres

Foto-BBC


Um dos aspectos mais chocante da crise entre Estados Unidos e Brasil, desencadeada por Donald Trump com aumento de tarifas e sanções ao Supremo Tribunal Federal, foi o silêncio da comunidade internacional.

A avaliação é de Christopher Sabatini, pesquisador sênior do Programa América Latina, EUA e Américas da Chatham House, um dos principais think tank britânicos, com sede em Londres.

Não houve nenhuma manifestação de países da União Europeia ou de instituições multilaterais como as Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos (OEA) enquanto Trump usava ferramentas econômicas para realizar ataques à soberania e às instituições brasileiras.

"A gravidade do que está acontecendo não é apenas sem precedentes, mas muito séria", disse Sabatini à BBC News Brasil.

"E, no entanto, a maioria dos líderes internacionais da Europa e de outros lugares segue em grande parte em silêncio diante do que é uma intervenção ou violação política flagrante, não apenas da soberania nacional, mas da integridade democrática das instituições."

Esse silêncio internacional reforça, na avaliação do analista, uma noção antiga de que os EUA conseguem bloquear a interferência do Hemisfério Ocidental na América do Sul e no Brasil, mantendo sua hegemonia — o que ficou conhecido nos séculos passados como Doutrina Monroe.

"Isso reforça aquele tema muito perigoso de que a América Latina é o quintal dos EUA. E isso é lamentável, porque isso é algo que exige uma reação internacional mais ampla", diz Sabatini.

Muitos países e organismos estão quietos, segundo ele, por estarem eles próprios envolvidos em disputas com os EUA e Trump. O presidente americano conseguiu criar um clima de "cada um por si" — em que não existe cooperação internacional contra medidas abusivas do governo americano.

E o fato de esta intervenção estar acontecendo não em um pequeno país da região, mas na maior economia da América Latina é um sinal da força do governo Trump diante dos demais governos.

O pesquisador conversou com a BBC News Brasil após o ministro do STF Alexandre de Moraes decretar a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro na segunda-feira (4/8).

Para Sabatini, mesmo que o bolsonarismo ganhe algum impulso com a ajuda de Trump, ele acredita que parte da opinião pública brasileira deve se voltar contra Jair e Eduardo Bolsonaro quando o impacto econômico das tarifas de Trump começar a ser sentido na economia.

Para ele, isso favoreceria não só o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como o surgimento de uma nova liderança dentro do movimento bolsonarista — como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

E a pior crise na história das relações entre EUA e Brasil pode piorar ainda mais nos próximos meses segundo o analista — quando houver o julgamento definitivo de Bolsonaro no STF e as eleições presidenciais de 2026.

Sabatini acredita que caso Bolsonaro venha a ser condenado no STF, os EUA poderiam aumentar ainda mais sua pressão contra o Brasil, usando ferramentas como sanções individuais a integrantes do governo Lula.

A saída mais provável para a crise, segundo o analista, não viria de negociações — já que nem Brasil e nem EUA poderia recuar neste momento, pois teriam perdas políticas enormes.

Nesta terça-feira (5/8), Lula afirmou que não vai ligar para Trump para falar sobre o tarifaço porque o norte-americano não está interessado.

"Não vou ligar para Trump para convencer de nada não porque ele não quer falar", afirmou. O presidente disse que deve falar com Trump sobre a COP30, marcada para novembro em Belém.

"Vou ligar para o Trump convidá-lo para vir para COP porque quero saber o que ele pensa da questão climática. Vou ter a gentileza de ligar", disse Lula na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), o Conselhão.

Para Sabatini, a solução mais provável aconteceria se senadores democratas conseguissem impedir no Congresso americano a guerra comercial travada por Trump, retirando poderes do presidente dos EUA.

Além de atuar na Chatham House, Christopher Sabatini faz parte de conselhos consultivos na Universidade de Harvard e na Divisão das Américas da Human Rights Watch. Ele tem doutorado em políticas de governo pela universidade de Virginia.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista de Christopher Sabatini à BBC News Brasil.

BBC News Brasil - A ofensiva de Trump contra o Brasil atraiu atenção internacional para o país no último mês. Como o Brasil está sendo percebido internacionalmente hoje? De que lado as pessoas estão se colocando?

Christopher Sabatini - Há um choque geral com o que Trump está fazendo. A imposição de tarifas econômicas a um país por causa de decisões de seu sistema judicial independente de processar alguém acusado de dar um golpe é algo sem precedentes.

É chocante. Para muitos isso é uma intervenção política excepcional e assustadora.

Dito isso, porém, por causa de todas as outras coisas que Donald Trump está fazendo, não existe indignação ou preocupação internacional sendo expressas da maneira que deveriam.

A gravidade do que está acontecendo não é apenas sem precedentes, mas muito séria.

E, no entanto, a maioria dos líderes internacionais da Europa e de outros lugares seguem em grande parte em silêncio diante do que é uma intervenção ou violação política flagrante, não apenas da soberania nacional, mas da integridade democrática das instituições.

Há um certo choque, mas acho que a preocupação com o que Trump está fazendo é silenciosa.

BBC News Brasil - Você fala que existe um silêncio internacional. Algum desses silêncios é mais chocante?

Sabatini - Sim. Acho que, em primeiro lugar, da Europa. A União Europeia tem boas relações com o Brasil e ainda está tentando ratificar um acordo comercial Mercosul-UE.

Em alguns casos, alguns dos países individuais [da UE] podem vir a enfrentar o mesmo tipo de intervenção partidária em seus sistemas democráticos em relação aos seus movimentos internos de extrema direita.

Existe um silêncio também por parte do Reino Unido, que também sofreu não exatamente as mesmas consequências econômicas, mas certamente o mesmo nível de intervenção política em sua política por parte de Elon Musk em particular.

Esses são países deveriam se manifestar contra uma abordagem pesada e intervencionista que favorece movimentos que não tem compromisso com a democracia e com os direitos políticos das populações minoritárias.

E também há silêncio das instituições internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e as Nações Unidas, que sempre defenderam os princípios de soberania nacional e soberania popular. E este é um daqueles raros casos em que ambas estão sendo violadas.

E, no entanto, você não ouviu muito as instituições multilaterais defendendo os princípios internacionais fundamentais.

BBC News Brasil - Esse silêncio geral se deve ao medo de que falar abertamente possa prejudicar as relações de cada uma dessas instituições e países com os EUA e com Trump?

Sabatini - Sim, em todos os casos. E esse é exatamente o problema com Trump: ele criou um ambiente de cada país, cada instituição por si.

Todas essas instituições e governos têm as suas próprias brigas com Donald Trump, sejam tarifas na UE, sejam acordos de livre comércio amplos e vagos entre o Reino Unido e os EUA, seja potenciais cortes de financiamento dos EUA à ONU ou à OEA, que prejudicariam completamente a capacidade dessas instituições de funcionar.

Todos têm seus próprios problemas com os EUA, quando se trata de Trump. E eles simplesmente não querem se envolver nisso [os problemas do Brasil].

Mas é assim que autocratas começam a corroer as normas e a quebrar as proteções do discurso e da política democrática da ordem liberal internacional.

BBC News Brasil - O maior problema que Trump alega ter com o Brasil é no que ele chama de "caça às bruxas" contra Bolsonaro. Agora o ex-presidente brasileiro foi colocado em prisão domiciliar. O apoio de Trump e agora a prisão domiciliar — essas duas coisas podem acabar dando mais combustível ao bolsonarismo?

Sabatini - O bolsonarismo como um movimento demonstrou uma resiliência impressionante em uma eleição complexa em 2022, quando parecia que Lula venceria por uma margem bem maior do que conquistou. O bolsonarismo foi bem nas eleições presidenciais, para o Congresso e locais.

É um movimento que está ligado ao nome de Jair Bolsonaro, mas que claramente capturou uma certa coalizão de interesses, raiva e frustração com o sistema político que acredito que perdurará independentemente de Jair Bolsonaro, apesar de poder se enfraquecer.

Sobre o caso de Jair Bolsonaro, eu acredito que a reação exagerada de Donald Trump — não apenas impondo sanções ao juiz Alexandre de Moraes mas impondo tarifas a um país inteiro em nome de um aliado partidário, especialmente quando essas tarifas começarem a ser sentidas em termos de empregos e de crescimento econômico no Brasil — eu acredito que isso tudo prejudicará Jair Bolsonaro e, em particular, seu filho, Eduardo Bolsonaro, que involuntariamente pressionaram por essas coisas.

Eu acho que eles acabaram conseguindo mais do que queriam. Isso tudo vai beneficiar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Agora, isso vai forçar uma mudança dentro do bolsonarismo, favorecendo o surgimento de um novo líder? Como talvez o governador de São Paulo [Tarcísio de Freitas], uma liderança mais jovem, mais moderada e menos personalista? Não sei. O movimento é muito novo e muito ligado à personalidade de Bolsonaro.

Mas certamente a sua liderança política e a sua desconsideração [com os brasileiros] ao cortejar Donald Trump e depois prejudicar uma economia inteira só por suas preocupações com um processo judicial justo, eu acho que isso não vai servir muito bem à futura liderança de Bolsonaro.

Para alguns apoiadores mais fiéis, e vemos isso em todos esses casos de políticos populistas outsiders, há pessoas que apoiam com esses líderes até o fim.

Isso é muito semelhante no caso de Trump. Sempre haverá uns 30% ou mais que ficarão com esse líder. Mas, neste caso, acho que para os moderados do mundo dos negócios, investidores, acho que eles verão isso com um pouco de preocupação. A disposição [de Jair e Eduardo Bolsonaro] de apelar aos EUA para punir o sistema Judiciário e toda uma economia por suas ambições partidárias mesquinhas.

BBC News Brasil - O sistema judiciário e a atuação de Alexandre de Moraes têm sido criticados não apenas pela direita e pelo governo dos EUA, mas também por outras vozes como a Transparência Internacional e alguns especialistas jurídicos. Existe uma percepção internacional de algum tipo de abuso de poder no sistema judiciário brasileiro?

Sabatini - Eu acho que é um sistema judiciário independente. Já vimos excessos judiciais [no passado] com Sergio Moro, que aconteceu com o lado oposto. Esse é claramente um sistema tradicional muito ativista, mas essas são questões internas da democracia brasileira. São questões que deveriam ser tratadas internamente por meio de processos de impeachment, ou qualquer outra coisa.

Pode haver preocupação expressa por meio da Transparência Internacional, como aconteceu até mesmo com Sergio Moro, antes mesmo de ele virar ministro de Bolsonaro.

Mas essa é a natureza do sistema tradicional brasileiro atualmente, misturando um sistema de acusação com a neutralidade de juizes, ao contrário do que acontece em sistemas mais anglicanos.

Essa é a natureza do Brasil e é uma questão interna. Não é uma questão na qual se deve usar tarifas como sanções. Mesmo que você esteja preocupado com o exagero de Alexander de Moraes, a reação dos EUA de impor tarifas a um país e sancioná-lo individualmente com a Lei Magnitsky, isso é sem precedentes.

Houve momentos em que o sistema político-judicial dos EUA também foi muito ativista. No caso da dessegregação, no caso dos direitos civis, no caso da integração escolar nos anos 60 e 70.

Ninguém teria imaginado impor sanções aos juízes da Suprema Corte dos EUA simplesmente porque eles estavam seguindo um caminho muito mais ativista — nesse caso, para lidar com mais de um século de racismo e segregação. Mas é neste ponto que estamos hoje.

BBC News Brasil - Esse silêncio internacional dos governos e o fato de que a única voz internacional falando sobre o Brasil é a de Trump — isso não é um sinal de que a visão de Trump sobre o Brasil está prevalecendo no cenário global?

Sabatini - Esse é um bom ponto. Ele reforça a percepção que o governo Trump está tentando ressucitar a hegemonia dos EUA e bloquear a interferência do Hemisfério Ocidental.

O Brasil não é Honduras. Não é Guatemala. E o fato de estar acontecendo em um país que é uma potência global e é o maior país da região é surpreendente, dado que não houve protestos.

Isso reforça aquele tema muito perigoso de que a América Latina é o quintal dos EUA. E isso é lamentável, porque isso é algo que exige uma reação internacional mais ampla.

Não se trata da Doutrina Monroe. Trata-se de uma intervenção política flagrante em um sistema judicial independente.

E independentemente de Moraes ser uma figura simpática ou não, é simplesmente um excesso econômico incrível na política externa.

BBC News Brasil - Diz-se que essa é a pior crise em mais de 200 anos de relações entre Brasil e EUA. Você vê uma saída para essa crise?

Sabatini - Não vejo nenhuma saída para essa crise que não envolva um certo dano político para ambos os lados.

Vamos supor primeiro que Lula tente negociar as tarifas estritamente em seus termos econômicos para reduzir as tarifas de 40%.

Se o governo Trump concordar em negociar apenas em termos econômicos, isso faz Trump parecer fraco porque não está abordando os objetivos declarados do seu esforço, que é a "caça às bruxas".

Por outro lado, se Trump tentar negociar essas tarifas para atingir seus objetivos de pôr fim a um julgamento contra um homem acusado de apoiar um esforço para derrubar um sistema democrático, que inclui até planos assassinato de um presidente eleito, isso seria uma rendição completa de Lula e do sistema judiciário brasileiro aos EUA.

Esses são objetivos que concorrem entre si. Você não pode negociar essas coisas para eliminar tarifas.

Eu acho que há um movimento no Congresso dos EUA agora, liderado por vários senadores americanos, [os democratas Jeanne] Shaheen e [Tim] Kaine para tentar investigar o poder de Trump de impor essas sanções sem a aprovação do Congresso. Essa pode ser a única saída dessa crise.

O Congresso dos EUA teria de contestar a autoridade constitucional do presidente dos EUA para aplicar essas sanções, reagindo a Trump. Mas isso não é entre os dois governos. Isso é uma disputa interna dentro dos EUA.

Porque se Lula recuasse, isso significaria sacrificar um princípio fundamental da democracia e da independência judicial, independentemente do que pensemos sobre Lula e Moraes.

Qualquer concessão em uma negociação dessas tarifas nos termos de cada um é uma perda para ambos e uma derrota humilhante. E, no caso do Brasil, algo prejudicial à democracia.

BBC News Brasil - O julgamento de Bolsonaro deve acontecer ainda esse ano. Existe uma possibilidade de ele ser condenado e ir para a cadeia com uma longa sentença — exatamente o pior cenário possível para Trump. E em seguida o Brasil entra em eleições presidenciais.

Existe potencial para essa crise se agravar ainda mais? Podemos esperar mais intervenção de Trump no Brasil — inclusive durante o processo eleitoral?

Sabatini - Tudo pode se agravar significativamente. O julgamento de Bolsonaro segue seu próprio curso independente, livre de intervenção política do governo, como deveria ser.

Uma eventual condenação de Bolsonaro, mesmo que uma condenação leve com prisão domiciliar, o impedindo de falar com a mídia, semelhante ao que está ocorrendo agora, o proibindo de concorrer em eleições, isso teria repercussões e desencadearia uma reação da Casa Branca.

Primeiro, haverá muita retórica tensa, do tipo que vimos quando JD Vance, por exemplo, viajou para Munique e condenou os governos europeus por tentarem silenciar um grupo neonazista. Isso seria o mínimo.

O próximo passo, eu acho, é impedir completamente qualquer oportunidade para os EUA e o Brasil colaborarem em outras questões globais e isso é significativo.

Os EUA precisam do Brasil em várias áreas, desde a reforma de instituições internacionais, assumindo que os EUA estão comprometidos com essas questões. Ou até mesmo no Haiti, por exemplo, o voto e o apoio do Brasil nas Nações Unidas, na OEA e em outras instâncias diplomáticas é essencial. Isso se perderia se Bolsonaro for condenado ou mesmo se o julgamento prosseguir.

Mas a questão é: quais outras ferramentas este governo tem para fazer o Brasil pagar um preço?

Dada a visão de mundo de Trump, em que não há freios e contrapesos e tudo depende do poder do Executivo, o que podemos ver é o desencadeamento de uma série de sanções pessoais direcionadas contra membros do governo Lula, supostamente por permitirem esse processo por seguir adiante.

Isso desencadearia novamente outra crise diplomática que interromperia as relações entre os EUA e a maior economia do mundo do Hemisfério Ocidental, depois dos EUA.

Acho que veríamos um ataque ao PT e especificamente Lula, porque este é um governo que simplesmente não se importa ou não entende a existência de freios independentes no poder Executivo.

 

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