As eleições de 2024 em Mato Grosso, especialmente em Cuiabá e Várzea Grande, surpreenderam analistas, políticos e o próprio eleitorado. Os resultados nas urnas destoaram significativamente das principais pesquisas divulgadas durante a campanha. Para entender os motivos, a especialista Claudia Cadore, sócia-proprietária da Tracking Pesquisas, analisou e apontou uma série de fatores que contribuíram para esse descompasso.
“O que aconteceu em Mato Grosso intrigou até os institutos. Nós tiramos um tempo para estudar os dados e encontramos várias pistas que explicam as distorções”, afirma.
Segundo Cadore, um dos principais fatores é o fenômeno da "condominialização" da sociedade brasileira. Dados do IBGE mostram que 12,5% da população nacional vive em condomínios, e esse número chega a 22% em Cuiabá.
“Os condomínios muitas vezes não são acessíveis aos pesquisadores. Isso significa que mais de 20% do universo eleitoral não foi investigado, comprometendo a representatividade da amostra”, alertou.
Outro fator relevante é o avanço do segmento evangélico. Em 1980, apenas 6% da população brasileira se identificava como evangélica. Hoje, são 27% no Brasil e cerca de 40% em Cuiabá, segundo a especialista.
Esse grupo, conforme Cadore, tem demonstrado um comportamento de "voto envergonhado", termo que se refere à omissão ou distorção intencional do voto por parte do eleitor.
A especialista fez referência à "espiral do silêncio", teoria desenvolvida pela socióloga alemã Elisabeth Noelle-Neumann, segundo a qual, por pressão social, o eleitor diz apoiar o candidato favorito nas pesquisas, mas vota em outro.
“Eles têm receio de declarar em quem realmente votarão. Então dizem que vão votar no líder das pesquisas, mas no dia da eleição, escolhem o nome com o qual se identificam”, explicou.
As eleições ainda registraram um alto índice de abstenção: 23% dos eleitores deixaram de votar em Cuiabá e Várzea Grande. “As pesquisas precisam desenvolver mecanismos para identificar se o entrevistado realmente vai comparecer às urnas. Não temos como garantir que os 23% que se abstiveram não responderam à pesquisa, e isso altera completamente o resultado final”, ponderou Claudia.
Cadore explicou ainda que a polarização política também afeta a disposição do eleitor em responder às pesquisas. Muitos simplesmente rejeitam ou desconfiam dos institutos, especialmente em contextos de alta tensão ideológica.
Além disso, a forma de contato também se tornou um desafio. O telefone fixo está em desuso, e os celulares, cada vez mais, são evitados pelos eleitores devido ao volume de ligações de "telemarketing ou golpes".
“O número de ligações atendidas é baixíssimo. As amostras não conseguem mais representar o total do eleitorado com a precisão de antes”, pontuou.
PESQUISAS QUALITATIVAS
Apesar dos desafios, Cadore reforçou que a pesquisa eleitoral continua sendo a ferramenta com maior rigor científico disponível para entender o comportamento do eleitor.
Ela ressaltou a importância de investir não apenas em pesquisas quantitativas, que mostram quem está na frente, mas também em pesquisas qualitativas, que ajudam a entender percepções, necessidades, rejeições e imagem dos candidatos.
“A pesquisa qualitativa é essencial para traçar estratégias. O candidato precisa saber como está sendo visto, onde melhorar e como se comunicar melhor com o eleitor”, afirmou.
Claudia compartilhou ainda o caso de um prefeito que, ao longo de seu primeiro mandato, fez avaliações a cada três meses. Ao final do ciclo, chegou a 70% de aprovação e foi reeleito com o mesmo índice de votos.
“A pesquisa precisa ser usada não só para vencer a eleição, mas também para governar com mais eficiência”, concluiu.
O QUE DEU ERRADO?
Em 2024, às vésperas das eleições, institutos de pesquisa apontavam que o deputado estadual Eduardo Botelho (UB) figurava com 48% dos votos válidos, o que o colocava próximo de uma vitória em primeiro turno. Seguido por Abílio Brunini (PL), com cerca de 40% e Lúdio Cabral (PT) com mais de 20%. Porém, o resultado surpreendeu, com Botelho sequer passando para o segundo turno, e a vitória de Abilio ao final do pleito.
Em Várzea Grande ocorreu um cenário semelhante, o ex-prefeito de Várzea Grande, Kalil Baracat (MDB), aparecia com um percentual que oscilava entre 50% e mais 60% das intenções de voto, enquanto Flávia Moretti (PL) tinha cerca de 30% das intenções de votos. Porém, na apuração final, Flávia ficou na frente com mais de seis mil votos e venceu a disputa com 50% dos votos válidos.