Se não teve golpe, por que Bolsonaro e aliados estão sendo julgados?
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar a partir desta terça-feira (2) a ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete acusados de participação na tentativa de golpe de Estado em 2022.
O grupo é acusado de cinco crimes. Dois deles estão na lei que combate os ataques à democracia – sancionada pelo próprio Bolsonaro, quando presidente.
Da forma como os crimes estão previstos na legislação, a tentativa de deposição do governo já é suficiente para a configuração da ação ilegal.
????Ou seja, na prática, já é possível punir a tentativa de atacar as instituições, mesmo que a ruptura do regime democrático não tenha se concretizado.
Entenda o julgamento
Os delitos são:
➡️abolição violenta do Estado Democrático de Direito: pune o ato de "tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais". A pena varia de 4 a 8 anos de prisão.
➡️golpe de Estado: fica configurado quando uma pessoa tenta "depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído". A punição é aplicada por prisão, no período de 4 a 12 anos.
O grupo também é acusado de:
➡️organização criminosa: quando quatro ou mais pessoas se reúnem, de forma ordenada e com divisão de tarefas, para cometer crimes. Pena de 3 a 8 anos.
➡️dano qualificado: destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, com violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima. Pena de seis meses a três anos.
➡️deterioração de patrimônio tombado: destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial. Pena de um a três anos.
Na fase de interrogatório, ocorrida em junho, os réus negaram qualquer ação golpista ou com objetivo de impedir a posse do presidente Lula.
Afirmaram que não houve movimentação concreta para um golpe de Estado e que a denúncia da PGR é injusta.
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Ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). — Foto: Getty Images via BBC
Lei que protege a democracia
Os dois primeiros delitos foram incluídos no Código Penal pela lei que protege o Estado Democrático de Direito, aprovada em 2021 e assinada pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro.
Como o objetivo da regra é proteger o funcionamento das instituições democráticas, já criminalizam o próprio ato de usar de violência ou ameaça para tentar subverter a ordem. Não exigem que o golpe tenha se concretizado para que a punição seja aplicada.
Isso acontece porque, se ocorre uma ruptura violenta, o Estado Democrático de Direito deixa de existir. Assim, as forças democráticas que foram derrotadas não teriam como promover a responsabilização dos infratores.
Nesse caso, os próprios infratores, ao se consolidarem no poder, podem mudar as regras até então estabelecidas no regime democrático anterior para evitar punições.
Ordem assinada não é indispensável
Nas conclusões finais do processo, o procurador-geral Paulo Gonet tratou do tema.
Ele explicou que, pela natureza dos crimes, não é indispensável ordem assinada pelo presidente da República para que uma tentativa de golpe de Estado se consolide.
"Para que a tentativa se consolide não é indispensável, por certo, que haja ordem assinada pelo Presidente da República para a adoção de medidas explicitamente estranhas à regularidade constitucional. Neste caso, estaríamos, aí sim, no campo contíguo, senão próprio, da consumação do golpe (mesmo que mais adiante viesse a ser revertido)", detalhou o procurador.
"A tentativa se revela, porém, na realização de ações tendentes à materialização da ruptura ultimada das regras constitucionais sobre o exercício do poder, com apelo ao emprego de força bruta – real ou ameaçado", concluiu.
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Infográfico - Trama golpista: Veja cronograma do julgamento do núcleo crucial — Foto: Arte/g1