O Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso repudiou a conduta do prefeito de Cuiabá, Abilio Brunini (PL), ao interromper a fala da professora Maria Inês da Silva Barbosa durante a 15ª Conferência Municipal de Saúde, realizada na última quarta-feira (30). Em nota pública divulgada na sexta-feira (1º), o órgão classificou a atitude do prefeito como um “ataque à democracia” e manifestou solidariedade à docente, que é doutora em Saúde Pública e professora aposentada da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Durante a abertura da conferência, Maria Inês utilizou a saudação “todos, todas e todes”. Abilio interveio imediatamente, acusando a professora de promover “doutrinação ideológica” e afirmou que não permitirá o uso da linguagem neutra em sua gestão. Após o constrangimento, a docente optou por se retirar do palco.
Na avaliação do MPF, a interrupção violou princípios constitucionais do Sistema Único de Saúde (SUS), que garantem o acesso “universal e igualitário”. Para a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, a ação do prefeito silenciou uma mulher negra, pesquisadora e ativista, em um espaço público de construção coletiva — o que representa, segundo a nota, uma violação aos direitos fundamentais e aos valores democráticos.
“O MPF/MT e a PRDC reiteram seu compromisso com a defesa dos direitos fundamentais, da diversidade e da inclusão. A conduta do chefe do Executivo municipal de Cuiabá, ao calar uma mulher negra, pesquisadora e ativista, em um espaço de construção coletiva, é um ataque à democracia e aos princípios que regem a sociedade brasileira”, diz o comunicado.
Em resposta, o prefeito se manifestou nas redes sociais no sábado (2), afirmando compreender o “posicionamento político” do MPF, mas defendeu sua atitude. Segundo ele, “todos” é o termo reconhecido oficialmente pela língua portuguesa como universal e igualitário. Já “todes”, argumenta, não consta em dicionários oficiais e, além de não ser reconhecido formalmente, seria excludente para pessoas com deficiência, como surdos e disléxicos.
“Não é razoável que uma entidade séria como o Ministério Público Federal, com brilhantes promotores, defendam sem plausível justificativa, a distorção da língua portuguesa, a militância política na discussão da saúde pública e a exclusão das pessoas com dislexia na universalidade só acesso a saúde”, acrescentou.
O prefeito finalizou dizendo que “todes não existe” e que a forma correta é “todos”, em consonância com o artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece que “todos são iguais perante a lei”.
Apesar do embate, é importante lembrar que a língua portuguesa está em constante transformação. Palavras de origem indígena, estrangeirismos e até gírias são frequentemente incorporadas ao vocabulário cotidiano e, eventualmente, reconhecidas por instituições como a Academia Brasileira de Letras. Termos como “selfie”, “wifi” e “crush”, por exemplo, ganharam espaço mesmo sem aprovação formal prévia, refletindo as mudanças culturais e sociais em curso.