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Política Segunda-feira, 06 de Outubro de 2025, 09:41 - A | A

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José Dirceu

'Bolsonaro não tem condições de ir para a prisão comum'

Ex-ministro afirma que fala com Lula "por telepatia" e que presidente pediu que ele se candidate a deputado federal em 2026. Ele diz que pedirá votos como "reparação", após prisões pelo mensalão e Lava Jato

Administração

Por:
Marina Rossi - Da BBC News Brasil em São Paulo

Foto-Estadão

Prestes a completar 80 anos, o ex-ministro da Casa Civil e dirigente do PT José Dirceu diz que está fazendo exercícios, bebendo menos vinho e se preparando para uma nova campanha eleitoral.

No próximo ano, pretende lançar um livro — o segundo volume de uma trilogia autobiográfica — e se candidatar, pela quarta vez, a deputado federal por São Paulo.
A nova disputa, segundo ele, foi um pedido expresso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e na qual ele pedirá votos como forma de justiça e "reparação", após ter cumprido prisões que ele considera injustas pelo caso do mensalão e pela Operação Lava Jato. Dirceu voltou este ano a ocupar uma vaga na direção nacional do PT.

Pragmático, Dirceu conta que sua filha mais nova é evangélica. E recorre a um certo misticismo ao afirmar que conversa com Lula por pensamento, mas que raramente o encontra pessoalmente.

"Temos uma relação de quase 40 anos, e convivemos de 1979 até 2005 quase que semanalmente ou diariamente. Então nós também conversamos, vamos dizer assim, por telepatia."

Tido como o cérebro que levou o PT ao poder com uma política de alianças e organização interna, ele reconhece as habilidades dos seus opositores. Afirma que Valdemar Costa Neto, fundador e presidente do PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, "é o político mais hábil que tem na direita", e "um dos quadros mais qualificados".

A relação dos dois é antiga. Valdemar foi um dos articuladores da aliança do PT com o PL em 2002, quando Lula foi eleito pela primeira vez, com seu vice, José Alencar.

Mais tarde, Dirceu e Valdemar foram colegas de cela, presos no âmbito do mensalão, como ficou conhecida a "mesada" que deputados recebiam do PT para votar a favor dos projetos do governo em 2005 segundo condenação do Supremo Tribunal Federal. Dirceu nega, até hoje, a existência daquele que seria o primeiro grande escândalo de corrupção da era petista, ainda que mencione, sem detalhar, "erros".

"O Valdemar às vezes ficava bravo comigo, porque eu queria arrumar uma lâmpada, porque eu queria ler, e ele dizia 'Zé Dirceu, nós temos que sair daqui, para com isso, você parece que está querendo ficar'. E eu dizia, não Valdemar, eu quero ler", contou o ex-ministro.

"Felizmente ele não ficou, mas eu fiquei. Eu estava certo, porque que eu fiquei, então eu tive que lutar por melhores condições dentro da prisão."

Para ele, Jair Bolsonaro, condenado por golpe de Estado pelo Supremo e em prisão domiciliar, não tem condições de ficar preso, por ser "muito instável" e sem "autocontrole". Para ele, é justo que Bolsonaro fique em casa, nas mesmas condições atuais do também ex-presidente condenado Fernando Collor de Mello.

O guerrilheiro, que foi preso cinco vezes — uma na ditadura, outra no mensalão e três vezes na Operação Lava Jato —, emocionou-se, ainda que discretamente, ao falar do ex-ministro da Fazenda, e ex-petista, Antônio Palocci.

"Éramos muito ligados afetivamente", disse. "Quase que irmãos". Mas deixaram de se falar depois que Palocci iniciou suas negociações com a Polícia Federal, à revelia do Ministério Público Federal, para colaboração premiada na Operação Lava Jato em 2018.

"Eu jamais faria [delação premiada]. Eu preferia morrer do que fazer", diz Dirceu. "Ele fez, assumiu as consequências e eu não vou julgar, não vou fazer isso, porque acho que é até covardia fazer isso."

Confira os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil - O senhor disse, numa entrevista há 20 anos, que havia revelações que o senhor só faria depois de 80 anos. Faltam 6 meses. Não pode antecipar alguma coisa?

José Dirceu - Não vou contar. Na verdade, eu tinha uma avaliação de que, quando chegasse aos 80 anos, eu estaria muito mais velho do que estou e que estaria quase aposentado. Como eu não estou nem mais velho nem aposentado...

Vou publicar o segundo volume das minhas memórias, que começa na minha saída do governo, da minha cassação, que já está inclusive no primeiro volume, e vai até 2014, 2015.

Aí eu vou escrever sobre... O título é 'Eu e a Lava Jato depois das eleições de 26'. Mas o importante é refletir como o Brasil mudou, como o mundo está mudando também.

A parte mais reservada, sigilosa é minha participação na resistência armada à ditadura. Eu sempre falo em geral, mas nunca escrevi um livro sobre isso. Daria para escrever um livro sobre a minha clandestinidade e minha atuação na luta contra a ditadura. Mas isso sempre traz fantasmas que não vale a pena ressuscitar.

BBC News Brasil - Uma pergunta sobre isso então: o senhor fez plástica, desfez. Ficou dez anos sem dar notícias para sua mãe, para sua mulher, seu filho. O senhor se arrepende de alguma coisa?

Dirceu - Não.

BBC News Brasil - Ficaria dez anos sem dar notícia para a família de novo?

Dirceu - Ficaria, se fosse necessário. Era necessário porque todos os que não obedeceram essa regra tinham mais probabilidade de ser assassinado, torturado pela ditadura.

Então acho que eu protegi a minha família, protegi a [ex-mulher] Clara Becker e o Zeca Dirceu [filho de Dirceu, deputado]. Dar notícia, entrar em contato com a família era o caminho mais curto para ser descoberto pela repressão. Sempre foi assim, em todas as experiências da resistência, em todas as grandes guerras, revoluções, revoltas.

Há regras que você tem que seguir, principalmente se você faz opção por entrar na guerra, pegar em armas, você tem que obedecer a uma disciplina militar e você atua para sobreviver. Na guerra você é treinado para matar e sobreviver.

Eu recebi um treinamento que me levou a fazer a plástica, a construir uma documentação sólida, passar um ano inventando um personagem.

Levei um ano para inventar o Carlos Henrique Gouveia de Melo [personagem criado quando ele viveu clandestinamente no Paraná]. O modo de falar, de andar, a história dele.

BBC News Brasil - Como foi esse processo?

Dirceu - É como se fosse criar um personagem do cinema, do teatro.

BBC News Brasil - Mas fez isso sozinho? Quem ajudou?

Dirceu - Brasileiros e brasileiras que estavam conosco em Cuba. Por exemplo, eu sabia tudo sobre Buenos Aires, onde eu morava, onde eu estudei, porque o passaporte que eu usei no mundo por muitos anos era de um argentino-brasileiro, judeu.

Então isso é uma construção. A clandestinidade é algo que, primeiro, você precisa ter confiança em você mesmo, porque se você começa a entrar no estado de instabilidade, no estado de medo, você não sobrevive na clandestinidade.

Talvez pela minha própria experiência nesses anos, foi que eu passei todos esses anos de prisão. Primeiro, uma prisão ilegal, a ação penal 470, chamada mensalão, depois mais de 40 meses em regime fechado [quando foi preso na Lava Jato].

BBC News Brasil - Falando em prisão, existe a possibilidade de que o ex-presidente Jair Bolsonaro cumpra sua pena toda em casa, não vá para a prisão. O senhor acha isso injusto?

Dirceu - Não. Acho que, dado o estado de saúde dele, e já que o Fernando Collor está cumprindo prisão em casa... [Embora] Não foi assim com o presidente Lula, né? Ele foi preso. É verdade que era uma prisão da Polícia Federal.

Acho muito improvável que se possa colocar presos vulneráveis no sistema penitenciário que é controlado pelo crime organizado. As condições são péssimas.

E como o estado de saúde dele [Bolsonaro] está se agravando, porque parece que isso é real, eu não vejo como é que ele pode entrar no sistema penitenciário.

Seria, de qualquer maneira, uma prisão especial. Nós mesmos ficamos muitas vezes na área de vulneráveis. Não tínhamos contato com os presos. Íamos para o pátio sozinhos, para a biblioteca sozinhos. Recebíamos visita num dia diferenciado, como se fosse uma autoproteção.

Agora, vão querer diminuir as penas [dos condenados pelos atos de 8 de janeiro]. Mas esses que estão falando em diminuir as penas agora, nos últimos dez anos eles aumentaram as penas para tudo no Brasil, sem condições do sistema penitenciário receber.

A direita brasileira sempre aplaudiu isso, mas agora ela quer diminuir para aqueles que destruíram o Parlamento brasileiro, a sede do Poder Judiciário e o Palácio do Planalto. Como se isso fosse pouco.

 

O ex-ministro quando se entregou, após condenado pelo mensalão, em novembro de 2013.
Foto: Nelson Almeida/Getty Images / BBC News Brasil
BBC News Brasil - Qual foi a última vez que o senhor encontrou o presidente Lula? Vocês têm se encontrado?

Dirceu - Nos encontramos raramente.

BBC News Brasil - Por quê?

Dirceu - Porque eu não sou ministro, não sou deputado.

BBC News Brasil - Mas é dirigente do PT de novo.

Dirceu - Mas sou dirigente do PT agora, acabei de ser eleito. Não tem razão para me encontrar com o presidente regularmente. O Edinho [Silva], que é presidente [do PT], que tem que encontrar com ele. Quando ele sente que é preciso conversar comigo, ele me convoca, eu vou ao encontro dele, converso com ele.

BBC News Brasil - Mas o senhor 'manda a real' para ele? Falam que o Lula está isolado das pessoas que 'mandavam a real', falavam a verdade para ele...

Dirceu - Não, não vejo que o Lula esteja [isolado]. Lula tem o Jaques Wagner [PT-BA], tem o Randolfe [Rodrigues, PT-AC], o Rogério Carvalho [PT], o José Guimarães [PT].

E tem os ministros da casa. E Lula tem conversado muito com os outros partidos, principalmente agora, e tem interlocução com empresariado.

Evidentemente que ele tem um círculo de relações mais pessoais, que ele, de tempo em tempo, consulta. Quando ele sente necessidade, ele fala comigo. Mas eu e o Lula temos uma relação de quase 40 anos, e convivemos de 1979 até 2005 quase que semanalmente ou diariamente. Então nós também conversamos, vamos dizer assim, por telepatia.

BBC News Brasil - O senhor já disse que Lula montou um governo de centro-direita. E se aliar com o centrão é uma discussão dentro do PT. Qual a sua opinião sobre isso? O Lula vai precisar se aliar com o centrão no ano que vem?

Dirceu - Quem fez a aliança foi o eleitor. O eleitor nos deu 130 deputados, com PT, PCB, PV, Rede, PSOL, PSB, Cidadania e PDT. E no Senado nos deu 22 senadores. O presidente precisava e aprovou as principais medidas para ele chegar até aqui. É só olhar esses últimos dois anos e nove meses.

Portanto, é um governo de centro-esquerda, mas a base parlamentar do governo é composta por partidos de centro-direita, de direita.

Na campanha eleitoral [de 2022], Lula disputou só com esquerda. Nos aliamos com [Geraldo] Alckmin e com um amplo setor de centro-direita das classes médias brasileiras. Mas o PP não nos apoiou, o União Brasil não nos apoiou, o MDB, só a [Simone] Tebet no segundo turno, mas não o MDB todo.

Agora, tudo indica que a direita, toda ela, terá um candidato: o PL com toda a direita, ou dois candidatos. E nós teremos uma candidatura que está bem caracterizada.

BBC News Brasil - Mas a chapa vai ser Lula e Alckmin ou o senhor é a favor de tirar o Alckmin?

Dirceu - Eu não sou a favor de tirar o Alckmin. É uma decisão que cabe ao presidente, aos dois partidos. Mas São Paulo exige uma chapa forte, porque nós ganhamos a eleição no Nordeste, mas podemos perder aqui. Bolsonaro perdeu quatro milhões de votos aqui e mais três milhões no Espírito Santo, Minas e Rio. Então, foram sete milhões.

É muito importante São Paulo, Minas e Rio para a disputa presidencial. A chapa dos sonhos de todos [em São Paulo] é Alckmin e Haddad, pelo menos um dos dois na chapa.

Porque isso significa que nós temos condições de ir para o segundo turno e disputar de igual para igual com o Tarcísio [Freitas, do Republicanos] ou com outro.

BBC News Brasil - Existe a possibilidade de ser uma chapa puro sangue, com Lula e Haddad?

Dirceu - É bastante improvável, até porque nós nunca fizemos isso. Mesmo o Haddad [quando foi candidato, em 2018], trouxemos a Manuela [d'Ávilla] do PCdoB, uma fantástica deputada, para ser a vice e foi bem sucedida.
BBC News Brasil - O presidente Lula, assim como o senhor, está completando 80 anos. Já enfrentou um câncer e, recentemente, levou um tombo preocupante. O vice dele para o ano que vem é uma escolha muito importante, não?

Dirceu - Sempre é. Mas nós estamos bem, tanto o Lula como eu. Eu acho que a chapa ideal é Lula e Geraldo Alckmin. A contribuição do Geraldo Alckmin para a eleição de 2022 e no governo [é grande]. Nessa crise produzida pelo tarifaço, o Alckmin se mostrou não só que estava à altura da crise, mas também sua capacidade e de como ele representa setores importantes da sociedade brasileira.

Nós temos condições [de fazer] o Brasil dar um salto em dez anos e mudar completamente o país. O Brasil tem as bases para fazer, precisa fazer uma reforma tributária alla OCDE. Não vamos inventar nada, só trazer a estrutura para cá. Desconcentrar renda e baixar os juros.

BBC News Brasil - Mas os juros só têm subido. E o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, é alguém próximo do presidente e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Dirceu - Foi indicado pelo presidente, mas a política do Banco Central não depende do Galípolo, nem da diretoria do Banco Central, por causa do poder que o setor financeiro tem no Brasil, e porque não se consegue fazer uma reforma tributária.

Juros de 15% significa uma dívida insolúvel. Temos que sair dessa armadilha. A única maneira de sair é fazendo uma profunda reforma tributária.

BBC News Brasil - Mas para fazer reforma tributária precisa do Congresso...

Dirceu - Por isso tenho dito que a palavra de ordem, o grito de guerra é: 'vamos mudar o Congresso Nacional'. Nenhum país vota em candidato. As pessoas votam em lista, no partido ou no distrito. [Temos que] mudar o sistema eleitoral brasileiro nem que leve 4, 8, 12 anos. É um processo.

Mas sobre a reforma tributária acredito que já há consciência na sociedade de que ela é necessária. O país está mudando.

Quando as pesquisas indicam que 2/3 da população, principalmente os jovens, querem o fim da escala 6x1, querem cobrar impostos dos mais ricos, há uma mudança.

Acho que o Brasil vai caminhar para um reformismo mais radical do que o "baixo reformismo", como diz [o cientista político] André Singer, que nós conseguimos implementar no país nos últimos anos.

BBC News Brasil - O senhor falou de escala 6x1. O PT demorou para abraçar essa bandeira?

Dirceu - A campanha contra a escala 6x1 foi uma surpresa até para aqueles que a propuseram. Havia propostas de deputados e senadores do PT no passado, mas foi a da deputada Erika Hilton (PSOL), em boa hora, que é uma grande liderança.

Ela assumiu essa bandeira, mas, na verdade, foi um trabalhador que iniciou. Por isso que eu digo que é uma mudança no país.

BBC News Brasil - Mas o PT demorou para abraçar?

Dirceu - O PT já tinha abraçado no passado.

BBC News Brasil - Mas não engajou...

Dirceu - Porque também as condições políticas do país não estavam propícias. E a reação contra é muito forte na Câmara e no empresariado, porque a redução da jornada de trabalho sem redução de salário no Brasil é quase uma heresia.

Mas a grande mudança que houve no Brasil é que antes era quase proibido falar que os ricos não pagavam imposto.

E hoje é senso comum que os ricos não pagam imposto. Essa mudança nós ainda não sabemos a consequência dela nos próximos anos, porque significa que vai haver uma pressão muito grande.

O principal problema de o Brasil não crescer é a concentração de renda. A estrutura tributária e os juros altos são as consequências: que 1% do Brasil tenha a mesma renda que 150 milhões, é uma coisa assim estarrecedora.

O Brasil precisa é ter um projeto. 

Dirceu, sobre Bolsonaro: "Me parece que ele é uma pessoa psicossomática, que vai acelerando, muito instável. Não é uma pessoa que tem autocontrole"
Foto: Diego Herculano/Reuters / BBC News Brasil
BBC News Brasil - Mas o PT já governou por muito tempo. Não tem responsabilidade em não se ter projeto?

Dirceu - Não é responsabilidade nossa porque nós nunca tivemos maioria no Parlamento.

BBC News Brasil - Mas aí o problema vai ser sempre o Congresso?

Dirceu - O Congresso, ou a sociedade que se mobilize de uma maneira que ela obrigue, como agora ela obrigou o Senado, a revogar a PEC da impunidade que foi construída na Câmara.

Muitos dizem: o que aconteceu com o PT? Aconteceu que entre 2013 e 2018, o PT foi reprimido. Nós não podíamos sair às ruas com a nossa camiseta, com o nosso símbolo, a estrela, com o boné, da CUT, do MST.

Aí falam 'a direita ficou forte'. Claro que ficou forte. Ela nos reprimiu durante dez anos e ocupou todo o território. Ela tem o poder econômico do lado dela, o que nós não temos, nós dependemos de nós mesmos.

Se olharmos historicamente, a maioria das classes trabalhadoras e das classes médias sempre votaram de maneira nacionalista, desenvolvimentista e progressista.

Há um sentido histórico, um fio da história do Brasil e um impulso para a soberania do país, para a democracia e para uma forte distribuição de renda.

Houve um avanço da consciência política individualista muito grande no Brasil, junto com o fundamentalismo religioso — sem estar fazendo valoração nenhuma, dado que o Brasil é uma nação cristã, só estou revelando um fato —, e junto com o conservadorismo político e moral.

Quando eu fui aos EUA representar o PT falando em nome do presidente para criar massa crítica a nosso favor, muitos diziam para mim "não use essas palavras 'distribuição de renda'".

Até o presidente [americano George W.] Bush um dia fez um comentário nesse sentido, porque eu usava muito a palavra riqueza, propriedade, renda e distribuir. Mas essa é realidade do Brasil.

BBC News Brasil - O senhor fez parte da costura, desse diálogo entre Lula e Bush, no primeiro mandato do presidente Lula. O que falta para o Lula ter alguma relação com o Trump?

Dirceu - Que ele se comporte como o Bush [risos].

O tarifaço não vai afetar o Brasil. Afeta alguns setores, mas nós temos capacidade para superar isso. Está prejudicando os EUA, porque os americanos consomem cinco bilhões de hambúrgueres e o blend da carne é a carne brasileira.

O Brasil exporta oito milhões de sacas de café para os EUA. Ele vai substituir? Não tem café no mundo, não tem carne, não tem açúcar no mundo.

BBC News Brasil - Mas o senhor acha que Trump já percebeu isso?

Dirceu - Estou falando de um dos elementos. Por outro lado, não há nada nos últimos 200 anos, principalmente nos últimos 30 anos, nas relações entre Brasil e Estados Unidos, nem na questão comercial nem tarifária, nada que justifique o que os EUA fizeram com o Brasil.

BBC News Brasil - Mas Trump já deixou claro que é uma questão política e não econômica.

Dirceu - Mas aí a questão política quem decide é o povo brasileiro. O Bolsonaro tem que ganhar a eleição. Não ganhará. Colado na política, na imagem do Trump e nos interesses norte-americanos, ninguém ganha eleição no Brasil.

Historicamente, nunca aconteceu isso.

BBC News Brasil - O senhor está planejando ser candidato a deputado federal no ano que vem, ao passo que vem defendendo também, há um tempo, a renovação no Congresso. A sua candidatura é condizente com essa renovação?

Dirceu - [Risos] A do meu filho [é]. Eu vou fazer 80 anos, não sou renovação geracional. Sou candidato porque o presidente [Lula] pediu para eu seja.

Segundo, porque acredito que é por justiça, é uma reparação que vou pedir para o eleitorado, para o povo em São Paulo, porque a minha cassação foi política.

BBC News Brasil - Mas o eleitor vai votar no senhor por reparação?

Dirceu - Não, vai votar em mim porque eu sou do PT, porque eu tenho uma história e por causa das minhas propostas e da minha própria vida.

BBC News Brasil - Algumas análises apontam que, por um lado, uma eventual candidatura sua pode trazer uma imagem ruim porque ainda é colada com a história do mensalão, e, ao mesmo tempo, o senhor tem um eleitorado fiel, e não fura a bolha, não traz novos votos para o PT. O que acha dessa leitura?

Dirceu - É cabotino ficar falando de si mesmo, mas as pesquisas indicam que eu tenho um público muito além do PT. É só olhar minhas entrevistas, o número de leitores que eu atinjo.

Eu tive no passado meio milhão de votos, na minha última eleição. Tenho uma história política de relação com muitos setores da sociedade. Apesar de eu ser de esquerda, e bastante de esquerda, eu sempre fui um construtor de aliança, de consenso.

Só a eleição vai dizer se eu vou ter voto para além do PT, eu avalio que eu tenho. Mas também o eleitorado do PT é 15% do eleitorado. Não é pouca coisa.

 

"Valdemar é o político mais hábil que tem na direita", diz Dirceu.
Foto: y Mateus Bonomi/Anadolu via Getty Images / BBC News Brasil
BBC News Brasil - Por que o senhor não disputaria o Senado?

Dirceu - Primeiro, porque tem outros nomes.

BBC News Brasil - Quem?

Dirceu - O [Fernando] Haddad pode disputar o Senado, [Guilherme] Boulos pode disputar a Marina [Silva], estou falando de outros partidos, porque estamos em uma aliança. A Tabata [Amaral] pode disputar.

BBC News Brasil - O Haddad toparia ser candidato?

Dirceu - O que o Haddad vai fazer, ou o Geraldo Alckmin, é assunto do presidente Lula. Evidentemente que nós podemos não querer. Mas quando o presidente e a direção do partido fazem o apelo e se analisa o cenário, muitas vezes nós adotamos a posição de fazê-lo.

Eu acredito que nós temos nomes para o Senado. A direita não tem nome para o Senado em São Paulo. O Derrite [Guilherme Derrite, deputado federal pelo Progressistas e atual secretário de Segurança Pública de São Paulo] não é esse candidato Brastemp.

E quem eles têm além do Derrite? O Kassab vai para o Senado? O Nunes? O próprio Tarcísio, evidentemente que é favorito, ninguém pode negar isso, mas não estou dizendo que é invencível, porque isso não existe aqui em São Paulo.

BBC News Brasil - O PT não ganha no Senado aqui desde a Marta Suplicy, em 2010.

Dirceu - Nós ganhamos três vezes o Senado. Tá bom demais. Não é fácil São Paulo.

Governamos a cidade três vezes. São Paulo não é para amador.

BBC News Brasil - O senhor falou recentemente que é impossível ser evangélico e não ser conservador. O PT tem muita dificuldade de dialogar com essa fatia da sociedade, que não é pequena. Vai continuar com essa dificuldade?

Dirceu - Primeiro, nem todos os evangélicos são conservadores. Pelo menos um terço, inclusive, vota no Lula e vota no PT. O que está de bom tamanho, porque nós viemos da Igreja Católica, das CEBs [Comunidades Eclesiais de Base], das Pastorais, da Teologia da Libertação.

E os evangélicos cresceram exatamente no período que nós estávamos reprimidos.

A questão não é evangélica, não é religiosa, é agenda, é visão do mundo. Os evangélicos, por exemplo, apoiam a política do Bolsonaro de fazer de conta que não teve a pandemia e negar a vacina? Então nós não concordamos.

Os evangélicos apoiam a escola sem partido, as escolas cívico-militares? Nós não apoiamos. Os evangélicos apoiam a liberalização das armas? Nós não apoiamos. Os evangélicos são contra taxar os ricos? Nós somos a favor.

Não é questão religiosa. A questão é que esse eleitorado, independentemente da religião, é um eleitorado que tem uma agenda, uma pauta conservadora.

BBC News Brasil - Mas o senhor acha que é tão homogêneo assim?

Dirceu - Não. Tanto que eu falei que 30% dos evangélicos votam no Lula.

E mais, está chegando uma geração evangélica, e eu tenho exemplo na família, completamente diferente. Não tem nada a ver com bolsonarismo. Os jovens evangélicos hoje, de 15, 17, 18 anos, estão no trap, se vestem de uma maneira...

BBC News Brasil - E o PT está se preparando para falar com esse jovem?

Dirceu - Tem falado, tem feito um grande esforço de diálogo. Inclusive, se você olhar toda a agenda das leis que eram demandadas pelos evangélicos foram aprovadas no governo Lula.

Acho que o Bolsonaro não fez nada pelos evangélicos, se comparar com o que o Lula fez. Não existe nenhum sentimento antirreligioso no PT.

Quando cheguei no PT ficava surpreso, porque se rezava antes da reunião.

É importante que haja liberdade religiosa, porque essa questão dos pastores fazerem política, os padres faziam também.

A questão é que o Brasil é profundamente politizado. Muitas vezes o presidente fala que o Brasil está polarizado, e eu falo não, o Brasil está politizado.

O mundo hoje não é um lado contra o outro, é a extrema direita combatendo a própria direita.

BBC News Brasil - Outra dificuldade do PT é de dialogar com essa nova classe trabalhadora, que já não é nem tão nova assim. Tem um plano de ação?

Dirceu - O governo tem feito um esforço. Eu mesmo tenho defendido, porque eu convivo com motoboys na minha família, que não é verdade que eles são conservadores e não aceitam a CLT.

Eles estão reivindicando proteção previdenciária e proteção à saúde. Eles já pararam São Paulo umas três vezes com uma pauta de reivindicação.

Então não é verdade que os motoboys são conservadores, que eles não lutam.

Nós sofremos uma reforma previdenciária, trabalhista, sindical, o golpe da Dilma, a prisão do Lula, mudança tecnológica, automação, robotização, precarização de trabalho, aplicativo. Então é preciso de um tempo para digerir isso e mudar.

Assim como o setor comercial e de serviços. O que está acontecendo? O jovem se recusa a trabalhar por R$ 1800, seis dias por semana de empacotador, de caixa, no açougue, na padaria. Isso são os empresários que falam para mim.

BBC News Brasil - Mas o PT está sabendo falar com essa população?

Dirceu - Aos poucos vai aprendendo. Até porque a necessidade leva ao aprendizado. E também à experiência.

Foi muito rápido que surgiu dois milhões de trabalhadores de aplicativo, centenas de milhares de trabalhadores de Uber.

Mas, por outro lado, há uma rebelião silenciosa da juventude exigindo mudança nas relações de trabalho e nos horários de trabalho. E há também uma falta de mão de obra qualificada.

Então há a necessidade de acelerar a formação.

Não é por causa do Bolsa Família que está faltando mão de obra, é por causa da qualificação e das condições de trabalho e do salário.

BBC News Brasil - O Valdemar Costa Neto disse em uma entrevista que o senhor é um "craque, inteligente, preparado, tem estratégia". O senhor retribui o elogio?

Dirceu - Eu fiquei preso com Valdemar Costa Neto duas vezes.

BBC News Brasil - Como foi?

Dirceu - Na prisão todo mundo se ajuda. Lá todo mundo é igual. Você tem que sobreviver e ter boas condições de saúde mental, principalmente. Porque uma afeta a outra. Saúde mental destrói.

BBC News Brasil - O senhor acha que Bolsonaro sobreviveria na prisão?

Dirceu - Eu não desejo mal a ninguém, nem a ele. Nessas condições, ele sobrevive porque vai ficar em regime domiciliar, com família, com tratamento médico. A família é muito importante.

BBC News Brasil - Mas e se ele for para a prisão, como o senhor foi?

Dirceu - Mas ele não tem condições de ir para a prisão. Isso não aconteceria nunca, você não pode colocar um ex-presidente da República no sistema penitenciário.

BBC News Brasil - Mas como Lula foi, em um lugar especial?

Dirceu - Eu nunca tive relação com Bolsonaro, mas me parece que ele é uma pessoa psicossomática, que vai acelerando, muito instável. Não é uma pessoa que tem autocontrole.

Todo mundo sofre na prisão, todo mundo tem depressão, chora, chama a mamãe, reza.

BBC News Brasil - Mas o senhor estava falando do Valdemar...

Dirceu - Valdemar é o político mais hábil que tem na direita, porque ele construiu um partido que tem 92 deputados e elegeu o presidente da República. Então não pode subestimar. E ele, já como líder da cidade dele, como deputado no PL na época dos José Alencar, ele já era um dirigente importante.

É um dos quadros da direita brasileira mais qualificados, ao estilo do Valdemar Costa Neto. E cada um tem seu estilo.

BBC News Brasil - Qual é o estilo dele?

Dirceu - Esse que estamos vendo aí todos os dias [risos].

Ele trabalha, é trabalhador. E é leal ao Bolsonaro. E ele comanda o PL. Você já viu revolta no PL contra o Valdemar? Nunca teve problema.

Na prisão, o Valdemar às vezes ficava bravo comigo, porque eu queria arrumar uma lâmpada, porque eu queria ler, e ele dizia "Zé Dirceu, nós temos que sair daqui, para com isso, você parece que está querendo ficar". E eu dizia, não, Valdemar, eu quero ler.

Prisão é muito insalubre, né? Então [eu dizia] vamos resolver o problema da goteira, às vezes cheirava muito mal, e eu queria resolver.

Ele ficava bravo porque parecia que a gente ia ficar muito tempo lá.

Felizmente ele não ficou, mas eu fiquei. Eu estava certo, porque fiquei, então tive que lutar por melhores condições dentro da prisão. 

BBC News Brasil - O caso do mensalão está completando 20 anos. Delúbio Soares, então tesoureiro do PT, negou a existência do mensalão na época, mas confessou que teve caixa dois. A mesma coisa aconteceu na Lava Jato. O que o senhor teria feito de diferente?

Dirceu - Eu não teria feito nada, porque eu não tive participação nenhuma.

BBC News Brasil - Teve caixa dois?

Dirceu - Eu não podia ser processado porque eu estava licenciado. O Supremo mudou a jurisprudência e eu fui processado pela Câmara.

Não há provas de corrupção.

Eu fui cassado pelo domínio do fato, que depois o Claus Roxin [jurista alemão que desenvolveu e difundiu a teoria do domínio do fato] veio aqui no Brasil e disse que não tinha nada a ver.

Da minha parte, vou pedir revisão criminal, assim que passar as eleições, no Supremo, da minha condenação no caso do mensalão.

BBC News Brasil - Mas na época do mensalão, em 2005, o próprio Lula foi em rede nacional dizer que o PT errou e que o PT deveria pedir desculpas. Do que então ele estava falando?

Dirceu - Ele estava falando que era caixa dois.

BBC News Brasil - O senhor acha que foi perseguição? Por quê?

Dirceu - Para me tirar do governo e da vida pública.

BBC News Brasil - Por quê? O senhor seria o sucessor de Lula?

Dirceu - Eu não era sucessor natural do Lula, porque talvez o Lula nem me indicasse. Mas eu era o presidente do PT, o ministro da Casa Civil, a liderança do PT, da esquerda. Isso, dizem, não sou eu que estou dizendo.

BBC News Brasil - Mas não houve nenhum erro naquele momento?

Dirceu - Erros a gente comete sempre. Eu não estou dizendo que não houve, mas, da minha parte, é só pegar os autos. Se você ler inteirinho, eles não tinham como me condenar.

BBC News Brasil - Mas não houve mensalão então?

Dirceu - Não. Não houve.

Na primeira reforma tributária e previdenciária, a oposição era da esquerda. Os problemas eram dentro do PT, do PCdoB B, do PDT. Os outros partidos queriam a reforma tributária, todos os prefeitos e governadores queriam e foi aprovada.

Não há nenhuma prova de que houve compra de voto nos autos. Eles não foram condenados por compra de voto.

BBC News Brasil - Foi por causa dos empréstimos do Marcos Valério para o PT?

Dirceu - Mas não há dinheiro público também. Todos os recursos eram recursos bancários, tudo caixa dois para a eleição.

BBC News Brasil - E agora? Como fazer campanha sem caixa dois?

Dirceu - Tem fundo partidário, fundo eleitoral. E há um movimento forte para voltar o financiamento das pessoas jurídicas.

BBC News Brasil - O que o senhor acha?

Dirceu - O problema maior agora são as emendas parlamentares. Esse é um problema grave do Brasil: R$ 52 bilhões. Porque isso vira um poder econômico numa eleição, tem uso eleitoral e está provado que tem desvio, não só de finalidade, de eficiência, de custo beneficio, como também desvio de enriquecimento ilícito.

Tem agora 80 e tantos inquéritos [sobre isso]. Esse é um problema grave que está na mão do Supremo, e o Congresso se recusa a rever. Além de ser uma invasão das atribuições do poder Executivo.

Não sei como é que o Brasil vai lidar com isso, porque é uma coisa inédita. O fundo partidário de um partido é de $ 600, R$ 700 milhões. Tem deputado que tem isso de emenda. Imagina o poder que ele tem, isso que é grave. Depois diz que o povo não sabe votar.

BBC News Brasil - O senhor ainda fala com o Palocci?

Dirceu - Não.

BBC News Brasil - Há quanto tempo não fala com ele?

Dirceu - Eu estive com o Palocci quando eu fui depor na Polícia Federal pouco antes dele fazer delação [em 2018]. Depois nunca mais falei com ele.

BBC News Brasil - Por quê?

Dirceu - Porque eu nunca mais encontrei ele também.

BBC News Brasil - E nunca mais ligou para ele?

Dirceu - Também não.

BBC News Brasil - Por quê?

Dirceu - Porque não é o caso. Eu não vou julgar o Palocci. Não vou julgar ninguém que fez delação, porque você não sabe a que ele foi submetido, [que tipo] de tortura psicológica, [se houve] prisão da mulher, do filho.

Eu não quis fazer delação. Não me propuseram também. Eu não faria jamais. Até porque, eu tenho toda uma história de dezenas de companheiros e companheiras minhas que foram mortos na tortura porque não denunciaram.

Eu jamais faria. Eu preferia morrer do que fazer. Ele fez, assumiu as consequências e eu não vou julgar, não vou fazer isso, porque eu acho que é até covardia fazer isso.

É tão desagradável tudo isso que aconteceu, porque nós eramos muito ligados afetivamente, tínhamos uma vida em comum, todos nós. Mas na política isso acontece, às vezes as pessoas mudam completamente, mudam de lado, viram todos inimigos, [sendo que] eram quase que irmãos.

Eu tenho relações de 60, 50 anos com dezenas de militantes políticos, inclusive da direita, inclusive amigos meus, que já estiveram em oposição a nós, como o Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), por exemplo, que é meu amigo. Amicíssimo. E nós nunca misturamos isso com as divergências.

Eu não costumo deixar de ter uma relação com alguém porque a pessoa não é de esquerda, não pensa comigo. Até porque eu já tive amores na vida que não eram de esquerda.

BBC News Brasil - Quais?

Dirceu - Aí não vem ao caso (risos).

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