A violência contra motoristas de aplicativo em Mato Grosso começou a dar sinais de recuo. Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-MT) indicam que os roubos contra a categoria caíram 72,7% no primeiro quadrimestre de 2025. A redução é atribuída à sanção da Lei nº 12.634/2024, que criou medidas específicas de proteção aos trabalhadores. De autoria do deputado estadual Wilson Santos (PSD), a norma nasceu após o assassinato de três motoristas em Várzea Grande e, integrada ao programa Vigia Mais Motorista, transformou uma ação operacional em política pública pioneira no país.
Márcio Rogério Carneiro, Elizeu Rosa Coelho e Nilson Nogueira foram dados como desaparecidos em abril de 2024 e, logo em seguida, encontrados mortos. Os primeiros a serem detidos pelo caso foram Lucas Ferreira da Silva, à época com 20 anos de idade, e dois adolescentes. Às autoridades, Lucas não só confessou os crimes como disse que, apesar de inicialmente ter a intenção de roubar os trabalhadores, desenvolveu “prazer por matar”.
Mais de um ano depois das mortes, em entrevista recente, o delegado Nilson Farias, que conduziu as investigações, classificou o caso como o “mais grave e cruel” de sua carreira.
“Com o tempo, você se acostuma a ver corpos, a ver pessoas baleadas. Mas me assustei ao ouvir jovens falando friamente sobre os crimes. O natural é que, mesmo preso, o autor negue ou demonstre arrependimento. Nesse caso, não houve nada disso”, relembrou Nilson ao HNT TV.
Tamanha brutalidade foi o que levou à mobilização da categoria à época. Dois dias depois das mortes, os motoristas de app saíram em carreata em um apelo por políticas públicas voltadas à segurança aos trabalhadores. No mesmo dia, 17 de abril de 2024, foram à Assembleia Legislativa fazer um apelo por um ‘botão do pânico’ para a categoria.
A Casa de Leis foi a responsável por intermediar o diálogo entre os trabalhadores e o Executivo, o que culminou na aprovação e sanção da Lei nº 12.634/2024, que criou diretrizes para garantir a segurança de motoristas e usuários do transporte de passageiros por aplicativo.
DA COMOÇÃO SOCIAL À APROVAÇÃO DA LEI Nº 12.634/2024
O projeto de lei que deu origem à Lei nº 12.634/2024 foi apresentado aos deputados ainda em 2022. Na versão inicial, a proposição tratava apenas de garantir ao motorista o direito de recusar a corrida, sem prejuízo, quando houvesse divergência entre a fotografia do usuário e sua identidade real ou quando o passageiro se negasse a informar o local de destino. Também previa que as plataformas exigissem dos usuários documentos como RG, CPF, fotografia e comprovante de residência no momento do cadastro.
Ao longo de 2022 e 2023, o projeto passou por sucessivas discussões na Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Entre os órgãos que analisaram a viabilidade e a legalidade da proposta estão o Núcleo Ambiental e de Desenvolvimento Econômico, a Comissão de Infraestrutura Urbana e de Transporte e a Comissão de Constituição, Justiça e Redação.
O texto recebeu apensos e substitutivos até meados de 2024, quando a tragédia envolvendo motoristas de aplicativo em Várzea Grande acelerou sua tramitação. Naquele momento, diante de uma categoria cada vez mais central na dinâmica urbana e na mobilidade, o Parlamento avançou na construção de uma legislação mais ampla, que não apenas reconhecesse direitos, mas estruturasse uma política de proteção aos motoristas.
Durante as negociações e, em especial após a disparada da violência, a categoria pressionou pela distribuição do botão do pânico físico. No entanto, o governador Mauro Mendes (União Brasil) não concordou que o Estado assumisse o custo do dispositivo. Como as big techs também recuaram, a solução foi editar a lei para aperfeiçoar um programa promissor do governo, mas que ainda estava em fase embrionária.
Na prática, a Lei nº 12.634/2024 instituiu um marco regulatório estadual de segurança para o transporte por aplicativos em Mato Grosso. A norma estabelece critérios mais rigorosos no cadastro de motoristas e usuários, autoriza mecanismos como reconhecimento facial, permite a instalação de câmeras nos veículos, prevê dispositivos de emergência, como o botão do pânico, institui o Vigia Mais Motorista e fixa sanções às empresas que descumprirem as regras. Ao organizar essas diretrizes no plano legal, a legislação passou a estruturar um novo padrão de proteção para uma categoria diariamente exposta à violência.
Com isso, a lei, além de endurecer as regras e a fiscalização sobre as big techs, consolidou a atuação do Estado em uma área antes marcada pela ausência de regulamentação específica.
QUEDA DE BRAÇO
[Aqui foto de Wilson]
Wilson, no entanto, lembrou que o caminho percorrido foi espinhoso. O Governo do Estado apresentava resistência ao projeto e, diante disso, a Assembleia Legislativa precisou aprofundar o debate técnico sobre a viabilidade das medidas de segurança propostas. O Executivo ainda chegou a vetar artigos considerados centrais da proposta, mas a Assembleia Legislativa derrubou os vetos referentes aos artigos 8º, 12º, 13º e 14º, mantendo no texto dispositivos voltados ao fortalecimento da segurança, incluindo a criação, no artigo 12º, do Programa Vigia Mais Motoristas por Aplicativos.
Segundo Wilson, foram necessárias dez semanas de articulações até que se chegasse a um consenso sobre a implementação das ações por meio de um programa estruturado. Foi nesse contexto que se consolidou o desenho do Vigia Mais Motorista, pensado como instrumento de operacionalização das diretrizes previstas na lei.
O programa foi concebido a partir de um aplicativo conectado diretamente ao Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp) e ao Centro de Operações da Polícia Militar (Copom). Para ter acesso, os motoristas devem realizar cadastro junto aos sindicatos da categoria ou pelo Portal do Governo do Estado. Após a validação, passam a contar com o botão de pânico digital, disponível 24 horas por dia para situações de risco.
VIGIA MAIS MOTORISTAS
Além do botão de pânico digital, os motoristas cadastrados no programa passam a ser monitorados pelas 15,9 mil câmeras do programa Vigia Mais MT, instaladas em 129 municípios.
O tenente do Corpo de Bombeiros, Leandro Gustavo Alves, que atua como assessor técnico do programa, destacou à reportagem que o diferencial do Vigia Mais Motorista é a conexão direta do botão do pânico com os centros de operação da polícia.
Isso porque as plataformas também dispõem de um botão semelhante, mas que direciona os motoristas a uma central de espera, diferentemente do sistema que se implementou em Mato Grosso. Conforme Leandro, a ligação direta entre os motoristas e os centros de operação impacta diretamente no tempo de resposta das forças de segurança.
“Anteriormente, o motorista precisava fazer uma ligação, muitas vezes em condições críticas, o que retardava o atendimento. Com a eliminação dessa etapa, a resposta foi significativamente mais rápida, o que faz a diferença entre evitar ou não o desfecho trágico de um crime, minimizando o tempo de resposta e aumentando a eficácia no combate aos crimes contra esses profissionais”, falou Leandro Gustavo.
O tenente detalhou que durante o período de implementação do programa, o secretário de Estado de Segurança, Coronel César Roveri, orientou que fosse feita uma pesquisa a nível nacional e não foi encontrada uma iniciativa semelhante por parte dos governos.
“Trata-se de uma prática totalmente inovadora e replicável a nível nacional, já apresentada e procurada por, pelo menos, 23 estados da Federação, dentre elas Piauí, Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Sul, Bahia, Maceió e Brasília, devido aos problemas de segurança enfrentados pelos motoristas nesses Estados”, ressaltou o militar.
ENTRE A TECNOLOGIA E A REALIDADE
[Aqui foto Solange]
Apesar do pioneirismo da Lei 12.634/2024 e do Vigia Mais Motorista, a adesão às políticas de segurança ainda é baixa. Um ano depois da publicação da lei, o percentual de motoristas cadastrados ao programa ainda é baixo. Apenas 365 motoristas aderiram, pouco mais de 1% dos 26 mil motoristas em atividade no Estado, segundo o que ressalta a presidente do Sindicato Nacional dos Motoristas de Aplicativo, Solange Menacho.
“Melhorou muito a segurança do motorista depois do programa, mas existe muita coisa a ser ajustada. Se todos estivessem cadastrados, a gente estaria inibindo muito mais esses assaltos e roubos. Hoje, a maioria dos assaltos acontecem no interior”, pontuou Solange.
BOTÃO DO PÂNICO FÍSICO AINDA É ESPERADO
[Aqui foto motorista usando o programa]
Apesar dos resultados positivos, os motoristas de aplicativo ainda apontam lacunas na política de segurança. A principal delas é a distribuição do botão do pânico físico, reivindicação levantada desde as mobilizações de 2024 e que segue como uma das principais demandas da categoria.
Victor Hugo, de 24 anos, atua como motorista de aplicativo há três anos e meio. Assim que o Vigia Mais Motorista foi lançado, ele se cadastrou no programa e já precisou acionar o botão do pânico digital em algumas ocasiões. Uma delas foi durante uma corrida em que acreditou que seria assaltado.
“A viatura veio até mim, fez como se fosse uma abordagem de rotina para os passageiros não desconfiarem e quando perceberam que não tinha grave, nos liberaram e seguimos viagem”, lembrou.
Em outra situação, o motorista acionou o Vigia Mais Motorista ao presenciar um colega sendo rendido por criminosos na Praça 8 de Abril. A situação foi compartilhada em tempo real por rádio, em uma frequência utilizada pelos motoristas. A placa do veículo e a localização foram repassadas à Polícia Militar, permitindo que a ação fosse rapidamente monitorada.
Apesar de reconhecer os avanços garantidos pelo botão digital, Victor avalia que o botão físico ainda representa uma camada essencial de proteção. Para ele, o dispositivo seria mais discreto e rápido de acionar em situações de risco extremo.
“Acredito que sim o botão físico ajudaria bastante principalmente para deixar em algum local escondido no carro, pois caso aconteça algum imprevisto você já sabe onde está. Com o aplicativo no celular, a gente teme que o bandido nos veja acionando ele”, explicou.
Enquanto o dispositivo não é distribuído, Solange Menacho reforçou que outras soluções são construídas em conjunto com o sindicato. Uma delas é o acionamento da polícia por voz. Os motoristas programam uma palavra-chave para situações de emergência e o contato com a Polícia Militar é feito simultaneamente. De acordo com Solange, a ferramenta está disponível para celulares com o sistema operacional IOS e deve ser liberada para os equipamentos com o Android em 2026.
“Esse é outra ação que foi aprovada na Assembleia a partir dos pedidos dos motoristas”, disse Solange.
QUANDO A LEI NASCE DA TRAGÉDIA
As lacunas ainda existem, especialmente na baixa adesão dos motoristas ao programa e na ausência do botão do pânico físico, reivindicado desde as mobilizações de 2024. Ainda assim, a Lei nº 12.634/2024 representa um ponto de inflexão na forma como o Estado passou a tratar a segurança dos motoristas de aplicativo em Mato Grosso.
O percurso da legislação não foi linear. O que começou em um gabinete ganhou contornos inesperados com a brutal interrupção de três vidas e se desdobrou em debates, vetos, pressão popular, negociação política e, posteriormente, em dados concretos de redução da violência. Trata-se de um movimento raro no poder público, em que a tragédia se converte em política estruturante.
Mesmo com desafios ainda em aberto, Mato Grosso deixou de tratar a violência contra motoristas de aplicativo como uma fatalidade cotidiana. Ao institucionalizar respostas e regulamentar a proteção dessa categoria, o Estado passou a reconhecer o problema como uma responsabilidade pública permanente.
[FECHAR A MATÉRIA COM ASPAS DO WILSON SANTOS FALANDO QUE TODO GOVERNADOR VAI TER QUE CUMPRIR].















