A adoção incompleta do plantio direto, sistema de manejo que reduz o impacto da agricultura sobre a saúde do solo, aumenta os gastos dos produtores brasileiros de soja com herbicidas. A conclusão faz parte do estudo "Como a soja pode liderar a transição da agricultura brasileira?", realizado pelo Instituto Escolhas e derivado da pesquisa "Brasil como líder mundial em produção de soja: até quando e a que custo?".
De acordo com a pesquisa, entre 1993 e 2023, a área de plantio de soja cresceu 317% no país, enquanto o uso estimado de defensivos químicos aumentou 2.019%, para 195 mil toneladas. Em 1993, para cada quilo de herbicida que os agricultores usavam, colhiam-se 23 sacas de soja. Agora a colheita é de sete sacas, em média.
Juliana Luiz, gerente de pesquisas do Instituto Escolhas e uma das coordenadoras do estudo, diz que a razão do aumento do uso de herbicidas é a ampla adoção do plantio direto sem práticas de conservação de solo complementares.
O plantio direto baseia-se em três ações: não revolver a terra, manter cobertura permanente sobre o solo (viva ou com restos culturais) e diversificar culturas. “O plantio direto é uma prática revolucionária muito importante, que evita erosão e eleva a capacidade de absorção de água e nutrientes. O problema é a adoção fora do manejo integrado”, diz a especialista.
Para elaborar o estudo, os autores consideraram dados públicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a produção, do Ministério da Agricultura, sobre uso de defensivos sintéticos, e as estatísticas do Federação Brasileira do Sistema Plantio Direto. Os pesquisadores entrevistaram e visitaram 34 produtores de Mato Grosso, Goiás e Paraná, que cultivam, ao todo, 88,1 mil hectares, para investigar suas práticas produtivas. O Instituto Escolhas analisou 45 práticas de conservação e regeneração do solo.
Os produtores foram divididos em convencionais, que adotam menos práticas; de agricultura regenerativa, com mais práticas; e de soja orgânica, método que veda o uso de herbicida sintético e exige revolvimento do solo, impedindo o plantio direto. Segundo o estudo, os produtores convencionais fazem plantio direto, mas só 31% fazem rotação de culturas, 15% adotam cobertura viva do solo, 15% usam adubação verde e 31%, adubação orgânica.
Quando os agricultores não adotam as ações complementares, observa Juliana Luiz, o plantio direto dificulta o combate a ervas daninhas, o que exige mais aplicações de herbicidas. “Com manejo incompleto, é preciso aumentar o uso do defensivo”, diz. A pesquisadora acrescenta que os produtores fazem a sucessão de culturas — soja e milho, soja e algodão —, mas não a rotação, que é ter mais diversidade de culturas na mesma safra.
Henrique Debiasi, que pesquisa manejo do solo na Embrapa Soja, afirma que o plantio direto ocorre em 33 milhões de hectares no país, mas, segundo ele, não há estatística oficial sobre a adoção completa do sistema. “O plantio direto em si é bastante adotado, com mínimo revolvimento do solo. Mas cobertura permanente de solo e diversificação de culturas têm baixa adoção”, afirma.
O pesquisador diz que não revolver o solo já contribui para reduzir a erosão e aumentar a produtividade. Estudos da Embrapa Soja mostram que o plantio direto eleva a produtividade da soja de 30% a 40% em comparação com o plantio convencional. “Mas com o sistema de plantio direto completo, a produtividade aumenta de 50% a 60%”, diz Debiasi.
O pesquisador da Embrapa Soja pondera que o sistema completo exige mais tempo de preparo, mas, aos poucos, os produtores têm adotado mais essas técnicas de manejo. “A cobertura de solo tem baixa adesão, mas o grande problema é a falta de diversificação do sistema de produção. A gente pratica a semeadura direta, mas não o sistema de plantio direto”, afirma.
Procurada, a Croplife Brasil, entidade que representa a indústria de defensivos, informou que não teve acesso ao estudo e que, por isso, não faria comentários sobre o trabalho. A associação observou que o sistema de plantio direto é referência global em intensificação sustentável.
“Em condições tropicais, em que a decomposição da palhada é até dez vezes mais rápida que em regiões temperadas, o uso racional de herbicidas [é uma] ferramenta de conservação, não um sinal de dependência. [Sem] o controle químico, o sistema de plantio direto deixaria de existir e, consequentemente, o progresso conquistado”, disse a entidade, em nota.
A Croplife acrescentou que, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 2021, o Brasil ocupava a 41 posição no ranking global de uso de defensivos por hectare —, com média que equivale a metade da que se vê em mercados menores. “Esse resultado evidencia que o uso proporcional brasileiro é moderado e compatível com o das principais potências agrícolas do mundo, contrariando a percepção recorrente de uso excessivo”, diz a associação.