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Poker face 

O que Putin quer para acabar com a guerra na Ucrânia

Enquanto as negociações de paz avançam em Berlim, o que pode mudar a posição de Putin sobre a guerra na Ucrânia? E como a Europa poderia agir de forma diferente?

Administração

Por BBC

 
 

O presidente da RússiaVladimir Putin, pode ter, para alguns, a fama de autocrata implacável e hábil manipulador do cenário internacional. Mas há algo que o presidente da Rússia não tem: poker face (um rosto capaz de disfarçar um blefe, em tradução livre).

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O falecido senador americano John McCain costumava brincar que, ao olhar nos olhos de Putin, via três coisas: "um K, um G e um B", numa referência ao passado do líder russo como agente da KGB, o serviço de inteligência soviético.

A lembrança veio ao assistir a imagens de Putin sentado frente a frente com enviados dos Estados Unidos no Kremlin, sede do governo russo. Ele não escondia as emoções; exalava confiança absoluta. 

Para Putin, a maré diplomática virou a seu favor, com a melhora das relações com os EUA e avanços no campo de batalha.

 

Alguns analistas afirmam que o presidente russo não tem incentivo para recuar de suas exigências: que a Ucrânia abra mão dos 20% finais da região de Donetsk que ainda controla; que todos os territórios ocupados sejam reconhecidos internacionalmente como russos; que o Exército ucraniano seja reduzido a um patamar inoperante; e que a adesão à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) seja descartada para sempre.

Diante desse cenário, há alguns desfechos possíveis. Um deles é o presidente dos EUA, Donald Trump, tentar impor à Ucrânia um cessar-fogo em condições rejeitadas pela população do país, com cessão de território e sem garantias de segurança suficientes para evitar uma nova agressão russa. 

Se a Ucrânia resistir ou se a Rússia vetar o acordo, Trump já sinalizou que pode se afastar do conflito. Na semana passada, afirmou que "às vezes é preciso deixar que as pessoas resolvam a luta entre si".

Ele poderia suspender o acesso da Ucrânia a informações de inteligência dos EUA consideradas vitais, usadas tanto para detectar a aproximação de drones russos quanto para atingir instalações energéticas da Rússia.

Outra possibilidade é que a guerra simplesmente se prolongue, com as forças russas avançando lentamente no leste do país.

A nova estratégia de segurança nacional do governo Trump sugeriu que a Rússia deixou de ser uma "ameaça existencial" aos EUA e defendeu que o país "restabeleça a estabilidade estratégica" com Moscou.

Diante das incertezas sobre o apoio dos EUA à Ucrâniahá algo que possa mudar a posição de Putin? E que alternativas teriam a própria Ucrânia, a Europa e até a China para agir de forma diferente?

A nova estratégia de segurança nacional do governo Trump defende que os EUA 'restabeleçam a estabilidade estratégica' com a Rússia — Foto: Kevin Lamarque / REUTERS via BBC

A nova estratégia de segurança nacional do governo Trump defende que os EUA 'restabeleçam a estabilidade estratégica' com a Rússia — Foto: Kevin Lamarque / REUTERS via BBC 

A Europa poderia fazer mais? 

No momento, a Europa se prepara para um cessar-fogo. Sob o rótulo de "coalition of the willing" (coalizão dos dispostos, em tradução livre), articula uma força militar internacional para ajudar a Ucrânia a dissuadir uma futura invasão russa, além de um esforço financeiro para reconstruir o país devastado pela guerra.

Algumas autoridades, porém, avaliam que a Europa deveria, em vez disso, se preparar para a continuidade do conflito.

A ideia seria ajudar a Ucrânia não apenas as batalhas mais imediatas, com mais drones e recursos financeiros, mas também oferecer apoio de longo prazo e se preparar para um confronto de 15 a 20 anos com a Rússia.

A Europa também poderia ampliar a proteção do espaço aéreo ucraniano contra drones e mísseis. Já existe um plano, a European Sky Shield Initiative (Iniciativa Europeia de Escudo Aéreo, em tradução livre), que poderia ser expandido para permitir que sistemas de defesa aérea europeus protegessem o oeste da Ucrânia.

Outros defendem o envio de tropas europeias ao oeste do país para patrulhar fronteiras, liberando soldados ucranianos para atuar na linha de frente. A maioria dessas propostas, contudo, foi rejeitada pelo receio de provocar a Rússia ou escalar o conflito. 

Keir Giles, pesquisador sênior associado do programa Rússia e Eurásia do centro de estudos Chatham House, afirmou que esses receios são absurdos, já que tropas ocidentais já estão em solo ucraniano e o plano Sky Shield poderia ser implantado no oeste do país com pouca chance de confronto com aeronaves russas.

Na avaliação dele, líderes europeus precisam "entrar no conflito de uma forma que realmente faça diferença". 

Segundo Giles, "a única coisa que, de forma inequívoca e inegável, deterá a agressão russa é a presença de forças ocidentais suficientemente fortes nos pontos que a Rússia pretende atacar, aliada à demonstração de vontade e determinação para empregá-las na defesa". 

Essa estratégia, naturalmente, traria enormes dificuldades políticas, já que parte do eleitorado da Europa Ocidental não está disposta a assumir o risco de um confronto com a Rússia.

Poucos analistas esperam que a Ucrânia consiga reverter o curso da guerra e obter ganhos territoriais próprios.

Após passar várias semanas recentemente na Ucrânia, não ouvi qualquer menção a uma ofensiva de primavera, apenas à necessidade de desacelerar o avanço russo e aumentar o preço pago em sangue e recursos.

Alguns diplomatas ocidentais afirmam que generais russos estariam enganando o presidente da Rússia ao apresentar a situação no campo de batalha como melhor do que realmente é. Segundo eles, isso faz parte de uma estratégia deliberada de inflar os ganhos russos, com o objetivo de sugerir que a Ucrânia está em desvantagem e, assim, pressioná-la a buscar a paz. 

De acordo com Thomas Graham, na revista americana de política internacional Foreign Affairs, neste ano a Rússia conquistou apenas 1% do território ucraniano, ao custo de mais de 200 mil mortos e feridos.

Fiona Hill, pesquisadora sênior do Centro para os EUA e Europa da Brookings Institution, que integrou o Conselho de Segurança Nacional do governo Trump em seu primeiro mandato, afirma que o principal trunfo de Putin é o fato de muitas pessoas acreditarem que a Ucrânia está perdendo a guerra. 

"Todo mundo fala da Ucrânia como derrotada quando, na realidade, ela tem hoje a força militar mais potente da Europa", disse. "Basta pensar no que eles fizeram com a Rússia. É notável que tenham resistido por tanto tempo, sobretudo lutando com uma das mãos amarrada atrás das costas." 
Áreas de controle militar russo na Ucrânia — Foto: BBC

Áreas de controle militar russo na Ucrânia — Foto: BBC 

Comércio, sanções e a economia russa 

Há ainda o instrumento das sançõesA economia russa, sem dúvida, sofre: inflação em 8%, juros em 16%, desaceleração do crescimento, déficits orçamentários em alta, queda da renda real e aumento de impostos sobre o consumo.

Um relatório da Peace and Conflict Resolution Evidence Platform, iniciativa internacional de pesquisa que reúne e analisa evidências acadêmicas sobre guerras, afirma que a economia de guerra russa está ficando sem tempo. "A economia russa tem hoje muito menos capacidade de financiar a guerra do que tinha no início do conflito, em 2022", dizem os autores.

Até agora, porém, nada disso parece ter alterado de forma significativa o cálculo do Kremlin, em parte porque empresas encontraram maneiras de driblar as restrições, como o transporte de petróleo em "navios fantasmas".

Tom Keatinge, diretor do Centro de Finanças e Segurança do Royal United Services Institute (Reino Unido), afirmou que a comunicação do Ocidente sobre as sanções é confusa e repleta de brechas.

Segundo ele, a Rússia contornaria as recentes sanções dos EUA contra duas gigantes do petróleo russo, Lukoil e Rosneft, simplesmente reetiquetando o petróleo exportado como se fosse de empresas não sancionadas.

Keatinge disse que, se o Ocidente realmente quisesse prejudicar a economia de guerra russa, deveria impor um embargo total ao petróleo do país e aplicar integralmente sanções secundárias contra os países que ainda o compram. "Precisamos parar de ser complacentes e adotar um embargo total", afirmou. "Precisamos levar a implementação das sanções tão a sério quanto o Kremlin leva a sua burla." 

Em tese, as sanções também poderiam afetar a opinião pública russa. Em outubro, uma pesquisa do Centro Russo de Pesquisa da Opinião Pública (VCIOM, na sigla em russo), órgão estatal, mostrou que 56% dos entrevistados disseram se sentir "muito cansados" do conflito, ante 47% no ano anterior.

Ainda assim, o consenso entre especialistas no Kremlin é que grande parte da população russa segue apoiando a estratégia de Putin.

União Europeia poderia concordar em usar cerca de € 200 bilhões (cerca de R$ 1,1 trilhão) em ativos russos congelados para gerar um chamado "empréstimo de reparação" para a Ucrânia. A proposta mais recente da Comissão Europeia é levantar € 90 bilhões (cerca de R$ 490 bilhões) ao longo de dois anos.

Em Kiev, autoridades já contam com a liberação dos recursos. Ainda assim, a União Europeia hesita.

Bélgica, onde está a maior parte dos ativos russos, teme há anos ser processada pela Rússia e, na sexta-feira, o Banco Central da Rússia anunciou uma ação judicial contra o banco belga Euroclear em um tribunal de Moscou (Rússia).

O governo belga afirma que não concordará com o empréstimo se os riscos legais e financeiros não forem compartilhados de forma mais explícita com os demais países do bloco. A França também manifesta preocupações: diante de seu elevado endividamento, teme que o uso dos ativos congelados comprometa a estabilidade da zona do euro. 

Os líderes da UE tentarão novamente chegar a um acordo quando se reunirem em Bruxelas em 18/12, na última cúpula antes do Natal. Diplomatas, porém, dizem que não há garantia de sucesso.

Há ainda divergências sobre a destinação dos recursos: manter o Estado ucraniano funcionando agora ou financiar a reconstrução do país após a guerra. 

A questão do alistamento militar na Ucrânia 

No caso da Ucrânia, o país poderia mobilizar mais integrantes de suas Forças Armadas.

Ela segue como o segundo maior Exército da Europa (atrás apenas da Rússia) e o mais avançado do ponto de vista tecnológico, mas, ainda assim, enfrenta dificuldades para defender uma linha de frente de cerca de 1.300 km.

Após quase quatro anos de guerra, muitos soldados estão exaustos, e as taxas de deserção aumentam.

Recrutadores do Exército enfrentam mais dificuldades para preencher as vagas, já que alguns homens mais jovens se escondem para escapar do alistamento forçado ou deixam o país. A Ucrânia, porém, poderia ampliar suas leis de conscrição.

Atualmente, apenas homens de 25 a 60 anos são obrigados a estar disponíveis para lutar. Trata-se de uma estratégia deliberada de Kiev para lidar com os desafios demográficos do país: com baixa taxa de natalidade e milhões de cidadãos vivendo no exterior, a Ucrânia não pode se dar ao luxo de perder o que passou a ser chamado de "os pais do futuro". 

Isso causa estranhamento fora do país. "Acho incrível que a Ucrânia não tenha mobilizado seus jovens", me disse um alto oficial militar do Reino Unido. "Penso que a Ucrânia deve ser um dos únicos países da história a enfrentar uma ameaça existencial sem lançar seus enlouquecidos jovens de 20 anos no combate." 

Hill, do Centro para os EUA e Europa da Brookings Institution, afirmou que a Ucrânia apenas aprendeu a lição da história e do impacto devastador que a Primeira Guerra Mundial teve sobre os impérios europeus do século 20, que entraram em declínio após não conseguirem recuperar o crescimento populacional que havia impulsionado sua ascensão econômica. 

"A Ucrânia está simplesmente pensando em seu futuro demográfico." 
Rússia lança mais de 700 drones e mísseis contra a Ucrânia em meio às negociações de paz 

Rússia lança mais de 700 drones e mísseis contra a Ucrânia em meio às negociações de paz 

Ataques, diplomacia e Trump 

Se a Ucrânia conseguisse importar e fabricar mais mísseis de longo alcance, poderia atingir a Rússia com maior intensidade e profundidade.

Neste ano, o país intensificou ataques aéreos contra alvos tanto em territórios ocupados quanto na Federação Russa. No início deste mês, comandantes militares ucranianos disseram à Radio Liberty que haviam atingido mais de 50 instalações de combustível e da infraestrutura militar-industrial da Rússia durante o outono.

Alexander Gabuev, diretor do centro de pesquisa Carnegie Russia Eurasia Center (Alemanha), afirma que alguns russos enfrentaram escassez de combustível no início do ano. "Até o fim de outubro, drones ucranianos haviam atingido ao menos uma vez mais da metade das 38 principais refinarias da Rússia", disse. 

"Interrupções na produção se espalharam por várias regiões, e alguns postos de gasolina russos começaram a racionar combustível." 

Mas ataques mais profundos contra a Rússia teriam impacto, quando tanto o Kremlin quanto a opinião pública no país parecem indiferentes?

Mick Ryan, ex-major-general do Exército australiano e atualmente pesquisador do Center for Strategic and International Studies (EUA), afirma que ataques em profundidade não são uma solução milagrosa. 

"Eles são um esforço militar extraordinariamente importante, mas insuficientes, por si só, para levar Putin à mesa de negociações ou vencer a guerra", disse. 

Já Sidharth Kaushal, pesquisador sênior em ciências militares do centro de estudos Royal United Services Institute (Reino Unido), afirmou que mais ataques em profundidade certamente causariam danos à infraestrutura energética e militar da Rússia, além de consumir seus mísseis de defesa aérea. Ele alertou, porém, que a tática pode ser contraproducente. 

"Isso poderia reforçar o argumento da liderança russa de que uma Ucrânia independente representa uma ameaça militar significativa", afirmou. 

Ainda há, apesar de tudo, um caminho diplomático.

Alguns analistas sustentam que, se Vladimir Putin tiver uma saída honrosa para a guerra, pode optar por aceitá-la.

A tese é a seguinte: um acordo permitiria que ambos os lados reivindicassem vitória. Por exemplo, um cessar-fogo ao longo da linha de contato; áreas desmilitarizadas; nenhuma formalização do reconhecimento territorial. Concessões de parte a parte.

Mas esse acordo exigiria um envolvimento firme dos EUA com a Rússia, com a formação de equipes de negociação e o uso do peso americano para viabilizar um entendimento. 

"Os Estados Unidos precisam mobilizar a formidável influência psicológica que possuem sobre a Rússia", argumentou Thomas Graham. "Não se pode subestimar o papel que os Estados Unidos e Trump, pessoalmente, desempenham ao validar a Rússia como grande potência e Putin como líder global." 

A influência da China 

O fator imprevisível é a China. O presidente chinês, Xi Jinping, é um dos poucos líderes mundiais a quem Putin dá ouvidos. Quando Xi alertou, no início do conflito, contra ameaças russas de uso de armas nucleares, o Kremlin rapidamente recuou.

A máquina de guerra russa também depende fortemente do fornecimento chinês de bens de uso duplo, como componentes eletrônicos ou máquinas que podem ser empregadas tanto para fins civis quanto militares.

Assim, se Pequim concluísse que a continuidade da guerra deixou de atender aos interesses da China, teria influência significativa sobre o cálculo do Kremlin.

Por ora, os EUA não dão sinais de tentar incentivar ou pressionar a China a atuar sobre Moscou. A questão é saber se Xi estaria disposto a exercer essa influência por iniciativa própria.

No momento, a China parece satisfeita em ver os EUA distraídos, os aliados transatlânticos divididos e o restante do mundo enxergar o país como uma fonte de estabilidade. Mas, se a invasão russa se intensificar, se os mercados globais forem abalados ou se os EUA impuserem sanções secundárias à China como punição pelo consumo de energia russa barata, o cálculo em Pequim pode mudar.

Por ora, porém, Putin acredita estar em posição confortável, com o tempo a seu favor. Quanto mais o conflito se prolongar, dizem analistas, mais o moral ucraniano cairá, mais divididos ficarão seus aliados e mais território a Rússia conquistará na região de Donetsk. 

 

"Nada mudará a posição dele", afirmou Hill, do Centro para os EUA e Europa da Brookings Institution. "A menos que ele saia de cena. Putin aposta agora que consegue manter isso por tempo suficiente para que as circunstâncias joguem a seu favor."

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