O entendimento dentro do Ministério das Relações Exteriores é que um eventual telefonema entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre o tarifaço deve ser acertado previamente entre emissários do Palácio do Planalto e da Casa Branca, evitando improvisos.
É o que apontam diplomatas ouvidos pela GloboNews nesta terça-feira (29).
Há um temor de que, em um eventual telefonema, Donald Trump repita com Lula o que fez recentemente com os líderes da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e da África do Sul, Cyril Ramaphosa.
Um eventual telefonema entre Lula e Trump passou a ser defendido por integrantes da comitiva de senadores que está em Washington, nos Estados Unidos, tentando buscar o apoio de parlamentares e empresários americanos.
➡️ No caso de Zelensky, Trump levantou o tom da conversa e chamou o líder ucraniano de "desrespeitoso" com os EUA.
➡️ Já no encontro com Ramaphosa, o norte-americano exibiu supostos vídeos de um "genocídio branco" na África do Sul, sem comprovação de veracidade das imagens.
Se nada for alterado, a medida anunciada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, resultará na imposição de uma sobretaxa de 50% às importações brasileiras, valendo a partir da próxima sexta-feira (1º).
"Sobre essa pressão de alguns setores por um telefonema entre os presidentes, sem preparação prévia: telefonema entre presidentes não se improvisa, requer uma preparação prévia. Em casos de crise como a atual, mais ainda", afirmou um diplomata, sob reserva.
Segundo ele, "quando não há costura prévia, bem amarrada, para visita ou telefonema, acontecem cenas como a do Zelensky e do Ramaphosa no Salão Oval recentemente", prosseguiu.
"Ambos os presidentes já deixaram aberta a possibilidade em declarações à imprensa, mas improvisação e voluntarismo aqui não cabem", acrescentou.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também afirmou nesta terça que uma preparação prévia sobre uma eventual conversa é uma questão de respeito, para que "os dois povos se sintam valorizados na negociação."
Visita do chanceler
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, está em Nova York (onde participou de um evento sobre a Palestina) e fez chegar a autoridades americanas a informação de que, se um integrante do governo Trump aceitar recebê-lo, ele vai a Washington negociar as tarifas.
Até a publicação desta reportagem, contudo, ainda não havia confirmação oficial de uma agenda de Mauro Vieira em Washington. Entretanto, diplomatas disseram que, nos bastidores, as conversas seguem acontecendo.
"Nossa posição quanto à negociação está clara, de que estamos prontos a negociar tarifas, e isso há dias, enquanto houver silêncio do lado de lá temos que insistir nisso, e a viagem do ministro é mais uma reiteração dessa nossa posição", afirmou um interlocutor do Itamaraty.
No Palácio do Planalto, auxiliares de Lula disseram, também de forma reservada, que Trump tem se mostrado um presidente "imprevisível" em encontros com outros líderes mundiais e que essa situação poderia se repetir com Lula sem um acerto prévio de um roteiro estabelecido em conjunto pela Casa Branca e pelo próprio Planalto.
Haddad vê sinais de que EUA querem negociar
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também reiterou que uma conversa entre os chefes de Estado demanda preparação, e frisou que há sinais de que o governo norte-americano está aberto a negociar.
'Brasil vai estar preparado para cuidar das suas empresas, seus trabalhadores', diz Haddad
"É papel nosso, dos ministros, azeitar os canais, para que a conversa, quando ocorrer, seja mais dignificante e edificante possível. Não seja uma coisa, como já aconteceu... vocês presenciaram várias conversas que não foram respeitosas", disse Haddad.
"Tem de haver uma preparação antes para que seja uma coisa respeitosa, para que os dois povos se sintam valorizados à mesa de negociação. Não haja um sentimento de vira-latismo, de subordinação. Preparar isso é respeito ao povo brasileiro", acrescentou o ministro.
País aceita negociar tarifas, não soberania
Desde que Trump anunciou a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros vendidos no mercado americano, Lula e integrantes do governo têm destacado que o Brasil aceita negociar a questão comercial, mas rejeita discutir temas relacionados à soberania do país.
Numa carta endereçada a Lula, Trump citou, por exemplo, a situação jurídica do ex-presidente Jair Bolsonaro — réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes como tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito e organização criminosa.
Integrantes do Palácio do Planalto, do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio afirmam que o Brasil já participou de cerca de dez rodadas de negociações com as autoridades dos Estados Unidos, mas ainda não houve um consenso.
"O governo brasileiro, por orientação do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vem buscando negociação com base em diálogo, sem qualquer contaminação política ou ideológica", informou o MDIC.
"Reiteramos que a soberania do Brasil e o estado democrático de direito são inegociáveis. No entanto, o governo brasileiro continua e seguirá aberto ao debate das questões comerciais, em uma postura que já é clara também para o governo norte-americano", acrescentou o ministério.