Fabio Grellet
Estadão
Foto-Instituto de Informatica-UFRGS
A Justiça Federal no Rio Grande do Sul determinou o fim das cotas para pessoas transexuais na Universidade Federal do Rio Grande (Furg). Segundo a decisão, da qual ainda cabe recurso, os alunos que entraram na universidade por meio dessa política de cotas, que começou em 2023, devem ter suas matrículas canceladas ao fim deste ano letivo. Ao todo, 30 vagas foram destinadas a esse público: 10 em 2023, 10 em 2024 e mais 10 em 2025. Em todo o País, outras 17 universidades públicas oferecem cotas para pessoas transexuais.
A decisão foi divulgada na última sexta-feira, 25, pelo juiz substituto da 2ª Vara Federal do Rio Grande, Gessiel Pinheiro de Paiva, em ação popular protocolada em 2023 pelos advogados Bruno Cozza Saraiva e Djalma Silveira da Silva.
Os autores alegaram que "não há nenhum fundamento jurídico, ou seja, não há nenhuma lei que possibilite à universidade criar o direito à cota para as pessoas transgênero". Afirmaram ainda que "na ausência de qualquer legislação específica referente à matéria de cotas para transgênero, essa indicação pode ser considerada, somente, fruto de política ideológica que, há tempos, vem ocupando as universidades brasileiras".
No processo, a Furg alegou que tem autonomia para estabelecer regras sobre acesso à universidade e afirmou que "a cota para pessoas trans instituída pela universidade representa uma ação afirmativa legítima e consonante com os princípios fundamentais do Estado brasileiro, que busca prestigiar o princípio da isonomia material (...) bem como visa materializar o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e erradicar a marginalização desta população, construindo uma sociedade solidária".
Na decisão, o magistrado considerou que a população trans não é maior vítima de violência do que a população comum. "O número de assassinatos em geral é muito superior (mais de sete vezes), em relação à população total do que o percentual de assassinatos de pessoas trans em relação à respectiva população", afirma o juiz. "Portanto, o número de assassinatos de pessoas trans no Brasil não possui nada de diferente (ao contrário, é ainda várias vezes menor em percentuais) do que a violência geral que assola o país, não havendo como tais dados serem considerados como relevantes para a instituição de políticas afirmativas de ingresso em universidade, mesmo porque também não guardam nenhuma correlação lógica com esse ingresso".
O magistrado segue: "As pessoas trans podem (e devem) ser objeto de ações estatais (inclusive ações afirmativas) que visem reduzir e eliminar a transfobia e possibilitar o exercício pleno da cidadania por esse grupo, não podendo sua identidade de gênero ser fator preponderante para sua marginalização, mas, por outro lado, essa identidade também não justifica toda e qualquer vantagem que lhes seja atribuída".
O juiz considerou que a resolução aprovada pela universidade para instituir essa política de cotas não demonstra "a correlação clara e direta entre a discriminação positiva criada e o problema específico enfrentado pela população alvo (cuja demonstração não está embasada em dados isentos e verificáveis), tratando-se de motivação inadequada ao resultado obtido, por não se ajustar à realidade fática e jurídica que sustenta a decisão tomada pela administração".
A reportagem procurou a universidade, que não se manifestou até a publicação desta reportagem.
O advogado Bruno Cozza Saraiva, um dos autores da ação, afirmou à reportagem que "as questões técnicas e, por isso, estritamente jurídicas, foram tratadas nos autos do processo e foram elas que fundamentaram a decisão".