Postado há alguns meses no YouTube, um vídeo viral começa de forma prosaica: uma menina de aproximadamente 1 ano brinca com um iPad, passando os dedos na tela sensível e arrastando grupos de ícones. Na sequência ela pega uma revista e começa a beliscar e cutucar as páginas, como se fossem telas. Como não consegue nenhum efeito, se irrita e bate nas páginas. A cena é repetida em close-up. Em uma descrição que acompanha as imagens, o pai da garotinha escreve: “Atualmente as revistas são inúteis e impossíveis de entender para os nativos digitais”. Ou seja, para os que interagem com tecnologias digitais desde muito jovens, cercados não só de livros e revistas, mas também de smartphones, tablets e iPads. O vídeo A magazine is an ipad that does not work (Uma revista é um iPad que não funciona) pode ser tomado como evidência da transição de gerações.
Seja verdadeira ou não a expectativa da criança de manipular revistas como se fosse uma tela que se altera com o toque, o vídeo traz à tona uma questão pertinente: como exatamente a tecnologia que usamos para ler altera a forma de ler? Desde pelo menos a década de 80, pesquisadores das áreas de educação, medicina, psicologia, engenharia da computação, biblioteconomia e ciência da informação já publicaram centenas de estudos explorando as diferenças no modo como as pessoas leem no papel e na tela.
Antes de 1992, a maioria dos experimentos concluía que as pessoas acompanham os textos em telas mais lentamente e memorizam menos conteúdo. Com a melhora na resolução de equipamentos de todos os tipos, porém, apareceram resultados mais variados.
Pesquisas recentes sugerem que embora a maioria ainda prefira o papel – especialmente quando precisam se concentrar por muito tempo –, o comportamento está mudando. Atualmente nos Estados Unidos, os e-books representam 20% de todos os livros vendidos para o público em geral. Segundo a 3ª edição da pesquisa Retratos da leitura no Brasil, realizada em 2012 pelo Ibope Inteligência, o país já tem 9,5 milhões de leitores de e-books, aproximadamente 5% da população.
Apesar de a tecnologia estar cada vez mais popular e acessível, a maioria dos estudos publicados desde o início da década de 90 confirma as conclusões anteriores: o papel ainda oferece vantagens sobre a tela como meio de leitura.
Reunidos, experimentos em laboratório, pesquisas e relatórios de consumo indicam que equipamentos digitais impedem as pessoas de navegar textos longos de modo efetivo e podem sutilmente inibir a compreensão.
Comparada ao papel, a tela pode exigir mais recursos mentais enquanto lemos e dificultar a fixação de lembranças sobre o que lemos. Conscientemente ou não, as pessoas se aproximam dos computadores e tablets com um estado mental menos aberto ao aprendizado que com o papel. Os e-readers também não conseguem reproduzir a experiência tátil da leitura em papel – e muitos se sentem desconfortáveis com isso.
Trocando em miúdos Machado no papel e Machado no tablet não são o mesmo Machado. O de tinta se imprime na lembrança; o de pixel passa ao largo da memória e, entre a publicidade, as abas e os links, some como fantasma entre fantasmas.
Não que ler nas telas eletrônicas seja sempre uma tragédia. É que cresce a turma de cientistas avisando que o cérebro prefere guardar texto folheado, tocado, cheirado. A tela que imita papel e tinta, vantagem de leitores de e-books como o Kindle, já evoluiu a ponto de ombrear o material impresso em testes de velocidade e precisão de leitura, mas ainda come poeira nos quesitos compreensão e memória. Em 2002, pesquisadores das universidades britânicas de Plymouth e Bristol sugeriam que lembramos melhor daquilo que lemos em papel.
Dois anos depois, psicólogos das universidades suecas de Karlstad e Gothenburg emendaram: monitores eletrônicos são lanternas de estresse, e rolar páginas virtuais distrai mais do que virar páginas reais. Ainda em 2004, um estudo da universidade francesa de Bretagne-Sud apontava que o e-book “dificulta a recordação de informação assimilada”, enquanto o papel “tende a facilitá-la”.
