Os petistas estão indignados com Tarcísio de Freitas, porque o governador paulista assumiu o papel de articulador de um projeto de anistia que poderá beneficiar Jair Bolsonaro, além dos condenados pela depredação do 8 de janeiro.
A fim de vencer a resistência da família Bolsonaro à sua candidatura à presidência da República e para angariar a simpatia dos eleitores bolsonaristas, o governador paulista tenta articular um projeto de anistia ampla no Congresso, além de afirmar que, se eleito presidente da República, concederá um indulto a Jair Bolsonaro.
Em entrevista a um jornal do ABC, Tarcísio justificou:
“Infelizmente, hoje não posso falar que confio na Justiça, por tudo o que a gente tem visto.”
A frase sobre a desconfiança em relação ao STF (é disso que se trata) foi criticada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa:
“É lamentável ver um governador que foi empossado pela Justiça dizer que não crê na Justiça. Se não há Justiça, vale tudo. Ele, por exemplo, não seria governador de São Paulo se não houvesse Justiça, até porque quem promulga o resultado da eleição é a Justiça Eleitoral.”
Aos petistas, juntaram-se jornalistas. Em editorial, o Estadão afirma que Tarcísio “deveria se empenhar ao máximo para que o Supremo seja visto como essencial na sustentação do Estado Democrático de Direito e não como uma corte que persegue seu padrinho político em razão de interesses políticos inconfessáveis, como o governador parece sugerir”.
Tarcísio diz que uma anistia pacificaria o país, mas o editorialista do jornal acha que “não há nada a ser pacificado no Brasil” e que “a impunidade para os golpistas, defendida pelo sr. Tarcísio, essa sim, teria o condão de conflagrar o país”.
Na abertura do julgamento de Jair Bolsonaro e demais envolvidos, Alexandre de Moraes seguiu na mesma linha ao dar recados políticos, como se lhe coubesse fazê-lo.
O ministro disse que “a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação” e que a impunidade “deixa cicatrizes traumáticas na sociedade e corrói a democracia”.
De fato, deixa cicatrizes, a exemplo da causada pela anulação dos processos contra Lula e pela sua soltura da cadeia, com base em provas ilegais obtidas por meio do hackeamento de um aplicativo de mensagens do procurador Deltan Dallagnol.
Vamos adiante.
Quem cobra que se restabeleça “limites morais do que é permitido fazer para ganhar uma eleição”, como escreveu o Estadão, precisaria ter alguma coerência — ou vergonha.
Embora acredite que o STF age corretamente ao deter o bolsonarismo, o jornal apontou várias vezes as arbitrariedades cometidas por Alexandre de Moraes, com o apoio dos seus pares, na condução dos inquéritos abertos de ofício, o mais longo deles há mais de seis anos, a pretexto de defender a democracia.
Em um dos seus editoriais, por exemplo, o Estadão afirmou:
“Concretamente, é forçoso dizer, se há algo em curso no País que pode, de fato, desestabilizar as instituições e, no limite, ameaçar o Estado Democrático de Direito é a atitude monocrática do ministro Alexandre de Moraes e a sua aparente incapacidade de reconhecer erros na condução de inquéritos sigilosos que há muitíssimo tempo já deveriam ter sido encerrados.
Tamanha concentração de poder em uma autoridade ou instituição é diametralmente oposta ao ideal republicano fundamental. Ao agir como se pairasse acima do bem e do mal por força exclusiva de suas eventuais virtudes morais ou boas intenções, Moraes avilta o próprio Estado Democrático de Direito que ele jura defender.”
Diante de tudo o que já publicou, como o jornal pode defender a tese sem vasos comunicantes com a realidade de que o ministro e o tribunal que ele integra não se deixam guiar por impulsos pessoais e interesses políticos?
Na frente partidária, o cinismo petista espanta, muito embora não seja surpreendente. Quando Lula foi condenado e preso, no âmbito da Lava Jato, o PT atuou para desacreditar a Justiça brasileira, acusando-a de lawfare mundo afora, com o mesmíssimo discurso dos bolsonaristas de que o seu chefão foi alvo de perseguição política da parte de inimigos que o queriam fora da disputa eleitoral.
Não há santos nessa história, e Tarcísio de Freitas certamente está longe de ser o pior entre tanta gente boa.