O avanço de cenas de desrespeito e confrontos em parlamentos municipais — como na Câmara de Cuiabá, com a quase vias de fato entre os vereadores Chico 2000 (PL) e tenente-coronel Dias (Cidadania) e em Sinop, onde vereador Marcos Vinícius Borges (PSDB), conhecido por ‘advogado ostentação’, foi agredido com um microfone pelo jornalista Daniel Trindadeo — revela uma combinação perigosa de fatores: crise de liderança, hiperexposição nas redes sociais e falta de preparo democrático dos eleitos.
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Analista político Vinícius de Carvalho comenta momento sobre o que ele definiu como “política da lacração” e negação do consenso.
É o que avalia o analista político Vinícius de Carvalho, doutor em História Política, que classifica o momento como resultado da substituição do debate pela “política do espetáculo”.
“Temos uma democracia de auditório. Muitos políticos hoje atuam como animadores de suas bolhas nas redes sociais. A política virou show, e o confronto, conteúdo”, resume.
Para o analista, o que predomina hoje é a lógica da “lacração” — não no sentido de vencer um debate com argumentos, mas de calar ou constranger o adversário. Ele aponta ainda uma tendência preocupante de negação do consenso e supervalorização do confronto: “Estamos entrando em uma pós-política, que rejeita o equilíbrio e a negociação. A política sempre foi a arte do possível, mas hoje virou o palco do impossível — desde que gere curtidas.”
A análise foi concedida ao HNT e se apoia em três camadas principais:
CRISE SOCIAL E EMOCIONAL GENERALIZADA
Segundo Vinícius, a política reflete a sociedade e o que se vê hoje é um cenário de intolerância, ansiedade e individualismo crescente.
“Temos uma epidemia de ansiedade e um colapso da convivência coletiva. As pessoas não sabem mais respeitar o espaço do outro e isso chega às instituições, inclusive aos parlamentos”, afirma.
TEATRALIZAÇÃO DA POLÍTICA E TRIBALISMO DIGITAL
Com a hiperexposição promovida pelas redes sociais, qualquer bate-boca vira conteúdo. Para o analista, o que antes era exceção hoje é rotina e rende engajamento.
“Está tudo muito cênico, coreografado. Os políticos se comportam como performers. Há incentivo ao conflito porque ele viraliza”, pontua.
O fenômeno gera o chamado “tribalismo digital”, com políticos que falam apenas para seus próprios públicos, sem abertura ao diálogo com o contraditório.
AUSÊNCIA DE VIVÊNCIA DEMOCRÁTICA
Vinícius critica também a mercantilização da política e a chegada de "outsiders" despreparados, que montam campanhas milionárias, mas sem experiência de diálogo.
“Há uma crise de liderança visível. Os líderes não conseguem construir acordos ou coordenar bancadas. Falta vivência em partidos, igrejas, sindicatos ou movimentos sociais, onde se aprende o convívio democrático”, avalia.
Segundo ele, muitos parlamentares sequer compreendem o ciclo básico da política: propor, debater, ouvir críticas, votar e seguir adiante.
Apesar de tudo, Vinícius acredita que o diálogo ainda tem espaço, mas vem sendo sufocado pela polarização, pela segmentação e pelo desejo constante de viralizar. “Quem deveria liderar processos, como presidentes de câmaras e prefeitos, muitas vezes também não tem o perfil conciliador. Isso agrava a crise institucional”, conclui.
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