O crime organizado tem cooptado indígenas para trabalhar no tráfico de drogas e outras modalidades ilegais no norte do Brasil. Como consequência, o número de prisões entre essa parcela da população no Amazonas quadruplicou entre 2018 e 2023, passando de 24 para 105, segundo os dados mais recentes do Tribunal de Justiça amazonense (TJAM).
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Além dos indivíduos detidos, outros dados trazem indícios de cooptação de povos originários pelo crime. Segundo o relatório publicado em abril de 2024 pelo TJAM, havia naquela ocasião 204 indígenas condenados ou réus no sistema judiciário estadual. Entre eles, 98 (47,8%) relatavam ter problemas com álcool e drogas.
São mais de 60 comunidades indígenas somente no Vale do Javari, sendo aproximadamente 250 em toda a região do Alto Solimões, com 96 mil quilômetros quadrados, área equivalente ao território de Portugal.
Entre policiais da região, há relatos de indígenas que foram capturados no Brasil e escravizados por plantadores de coca no lado peruano da fronteira. Atualmente, além da região de Sacambu, nas proximidades de Atalaia do Norte, o tráfico tem mantido plantações de coca em locais como Caballococha e Bellavista.
Relatórios de inteligência das forças de segurança apontam que a cocaína escoada pelo Rio Solimões vem, principalmente, do Peru. Além de serem escravizados, indígenas e ribeirinhos também são cooptados pelo crime organizado para realizar o transporte de drogas e outros produtos ilícitos, seja por meio de embarcações ou em longas caminhadas no meio da mata.
Um amplo relatório produzido pelo Centro de Estudos sobre Drogas e Desenvolvimento Social Comunitário (Cdesc), cita o levantamento realizado pelo TJAM e aponta problemas na região de Tabatinga, onde há, inclusive, celas especiais para indígenas.
Pagamento em pasta base
Secretária Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), Marta Machado disse durante o Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) realizado neste mês, em Manaus, que tem notado o avanço do narcotráfico em território indígena.
“Tem tido efeito de aliciamento de indivíduos indígenas para trabalhar para o crime, para caminhar na floresta carregando a droga, gerando uma série de impactos nas comunidades. Desde o aumento do uso [de entorpercentes], inclusive alguns desses indígenas acabam sendo pagos em pasta base [de cocaína] e distribuem, chegando às comunidades e gerando impacto”, afirmou.
Segundo a secretária, ao serem encarcerados, indígenas têm uma série de direitos que não são respeitados, como o de ter intérpretes. Também cita dificuldades nos presídios, como de alimentação adequada aos seus costumes. Segundo o levantamento do TJAM, 8,8% dos indígenas abordados não falavam português.
O próprio relatório do TJAM faz ponderações, entretanto, apontando que mesmo aqueles que falam português podem não ter a completa compreensão do processo legal.
Segundo a representante do Senad, Tabatinga é uma região prioritária para a secretaria. “A gente tem trabalhado ali com um projeto piloto de desenvolvimento sustentável. A gente está levando políticas de prevenção, Pronasci juventude, para jovens em situação de risco”, afirma.
Marta afirma também que o Pronasci desenvolvido na Amazônia é diferente daquele implementado nas grandes cidades. Na região de floresta, não se tem tantas oportunidades como nos principais centros do país, como vagas de trabalho e educação. Então é necessário criá-las, primeiro.
Secretário de Segurança Pública, Marcus Vinícius de Almeida diz que sua pasta também tem notado a cooptação de indígenas na região de Atalaia do Norte. “Temos relatos de inteligência de cooptação e mesmo de tribos escravizadas para poder atender essa demanda do tráfico de drogas, seja na produção ou mesmo carregando essa droga. Precisa dessa atenção especial na questão do Javari”, disse, durante o encontro do FBSP.
Além do tráfico de drogas, indígenas são cooptados para uma série de atividades criminais, como desmatamento, pesca ilegal e garimpo.