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Tribunal do sangue

Destemidas, facções expandem o “fórum do crime”

Autoridade policial do Mato Grosso (MT) detalhou ações inédidas executadas pelos criminosos na “Justiça paralela”

Metropoles
Foto-RD News
 

Pressão, interrogatório, julgamento e punição. Baseados na justiça do Estado, os criminosos criaram estrutura própria para aplicar suas normas e constituição. Com visão e objetivos deturpados, eles usam da tortura fisica e psicológica para dar os “salves” — termo usado para descrever os castigos àqueles que vão contra à disciplina imposta — podendo condenar os dissidentes até mesmo à pena de morte. 

Welliton Caixeta Maciel, doutor em direito e pesquisador do Grupo Candango de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, explica que a maneira como organizações criminosas sequestram, julgam e executam seus alvos ficou popular e internamente conhecida como “tribunal do crime”.

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“Trata-se de uma espécie de prática e ética paralelas e análogas à estrutura das instituições judiciárias do Estado, só que implementadas pelo crime”, aponta.

A coluna também conversou com o delegado Igor Sasaki, à frente da Delegacia de Polícia de Tangará da Serra, município localizado a 241 km de Cuiabá (MT). Ele age, diariamente, na linha de frente para coibir as ações desses criminosos, que estão cada vez mais destemidos diante da legislação. 

Descoberta inédita

Recentemente, a autoridade policial comandou uma investigação complexa, que visava chegar aos executores de Alexsander Aparecido Antunes de Oliveira, de 29 anos. O homem foi morto em junho deste ano após se sentar, à força, na cadeira dos réus do tribunal do crime.

Segundo o delegado, ao longo das diligências, ficou constatada uma característica inédita: o local para onde Alexsander foi levado, a partir de uma emboscada, era reservado para uma única finalidade: julgar e matar. 

No terreno baldio, as pichações nos muros evidenciaram o desprezo dos criminosos frente às forças de segurança. “Um tribunal realmente físico. É a primeira vez que pego um caso em que fica bem claro que há um tribunal físico para praticar aquele crime”, admira-se.

Frases como: “Terror do Estado”, “Vacilou é ripa”, “Ódio” e “Pau no cu do estado” foram estampadas nas paredes do fórum sanguinário. 

Além disso, no local, os investigadores encontraram, escondidas em meio a pedras, abraçadeiras de nylon — mais conhecidas como “enforca-gato”. Conforme apontado pelo delegado, os faccionados deixaram a “ferramenta” ali como forma de facilitar a execução da tortura.De acordo com Sasaki, a vítima foi amarrada, agredida e tinha múltiplos sinais de violência pelo corpo quando foi encontrada já sem vida.

Diferentemente de muitos casos, em que as vítimas são feridas de diversas maneiras, com golpes de faca, disparos de arma de fogo e, às vezes, até esquartejadas e ocultas, Alexsander foi executado com um único tiro na cabeça e seu corpo ficou exposto no local em que o crime ocorreu.

Questionado pela divergência, o delegado detalha que o homem não desistiu de tentar fugir, o que influenciou na duração da sessão de horror. “Ele tentou sair do local. Tinha um arrasto com as marcas do pneu da moto no chão, por esse fato que ele não foi torturado por mais tempo”, explica. 

Cinco pessoas foram identificadas como participantes diretas na execução. “Dois adultos, já presos, e três adolescentes, participaram diretamente, inclusive com divisão de tarefas. Um ficou incumbido de levar a arma, outro de amarrar a vítima e o outro de transportar o que efetuou os disparos.”

“Assim que saíram do local, os suspeitos mudaram os cortes e cores de cabelo, com o intuito de dificultar a ação da polícia e a investigação. As diligências levaram à deflagração da operação ‘Tribunal de Sangue’.” 

A característica violenta e brutal dos tribunais do crime choca até mesmo quem trabalha há anos na área. “São crimes violentos e muito brutais. Chama muito atenção porque são extremamente sanguinários.”

Coibição da prática

Para o delegado, é preciso, sim, investimento em educação, mas, para além disso, necessita-se de investimento em policiamento de investigação. 

“Não adianta espalhar policiamento ostensivo, que tem papel importantíssimo, sem polícia investigava. Apenas com investigação que se chega aos mandantes, que se bloqueia bens e se promove o sufoco financeiro das facções”, analisa.

Sasaki destaca, ainda, que Mato Grosso é um estado referência.

“O maior orçamento da pasta do MT é em segurança pública porque os ataques a ela são uma epidemia no país inteiro.” 

O especialista em segurança pública afirma, porém, que as dinâmicas criminais complexas de práticas semelhantes às do Estado contam, muitas vezes, com a contribuição de agentes públicos.

“A analogia de que trata-se de ‘justiça paralela’ ignora a complexidade da administração de conflitos pelos membros de tais organizações que, muitas vezes, contam com agentes e funcionários da própria estrutura do Estado. O crime não age apenas paralelamente ao Estado, mas dentro dele e em suas margens”, analisa.

“Percebo tais dinâmicas em um universo de práticas criminais muito mais complexas que se camuflam em práticas análogas às das instituições do Estado, porém que se legitimam na ilegalidade e na clandestinidade.”

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