A viúva do jovem de 26 anos morto por engano por um policial militar após sair de mais um dia de trabalho diz que ele foi assassinado a "sangue-frio" e pelas costas por ser negro. Guilherme Dias Santos Ferreira carregava na mochila apenas uma marmita, talheres, um livro e a roupa de trabalho.
O rapaz, que trabalhava como marceneiro, estava chegando ao ponto de ônibus quando foi atingido por um disparo na cabeça na noite de sexta-feira (4). O crime aconteceu em Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo.
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O autor dos disparos é o policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida. A defesa não foi localizada até a última atualização da reportagem.
No boletim de ocorrência, o PM afirmou que pilotava uma moto pela Estrada Ecoturística de Parelheiros quando foi abordado por suspeitos armados que tentaram roubar sua moto. Ele reagiu com disparos e, durante a confusão, Guilherme foi baleado e morreu no local. (Leia mais abaixo.)
Há quase três anos, Guilherme trabalhava como marceneiro com a fabricação de camas e baús. Ele estava no segundo dia de trabalho após retornar das férias. Segundo a família, ele fazia diariamente o trajeto em que foi assassinado.
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Guilherme Souza Dias, que foi morto por PM após sair do trabalho na Zona Sul de SP — Foto: Reprodução/redes sociais
Pouco antes do crime, ele avisou a esposa que já estava indo embora. "Deu 22h e eu dormi, e do nada acordei às 2h. Olhei meu WhatsApp e tinha mensagem dele: 'estou indo embora' às 22h38. [Era] Duas e meia da manhã e ele não tinha chegado. Ele nunca foi de chegar tarde em casa, sempre chegou no horário. Se ocorresse alguma coisa, ele me avisava", disse.
Foi o cunhado quem encontrou o corpo de Guilherme na rua. "Ele estava lá jogado, não pudemos chegar perto do corpo dele. O corpo ficou até umas 7h. O povo falando que era bandido, estava o pessoal examinando o local, sem entender o que tinha acontecido", disse a esposa.
'Um homem de Deus'
Homem de Deus, bom filho, bom esposo e trabalhador. Essa é a memória e o legado deixado por Guilherme, segundo a família.
"Nunca se envolveu com nada, era do serviço para casa, da casa para a igreja e da igreja para o serviço. Era sempre assim, estava na casa dos pais ou em casa. Ele não é isso o que o povo está falando", desabafou a esposa.
Guilherme e Sthephanie estavam juntos havia um ano e 11 meses e também tinham o sonho de ter filhos. "O sonho dele era ser pai. A gente estava fazendo tratamento para poder gerar um filho", contou a mulher.
O casal também tinha como plano reformar a casa e viajar em agosto para comemorar dois anos de casados. "Ele estava pagando o carro dele, tirando a carteira de motorista e ia começar as aulas práticas. Também estava pretendendo conseguir um emprego melhor para sair mais cedo e receber melhor."
Versão da polícia
Na sexta, o policial Fábio Anderson Pereira de Almeida foi preso em flagrante ao matar Guilherme por engano, mas foi solto após o pagamento de uma fiança de R$ 5.600. Ele responde em liberdade por homicídio culposo (quando não há intenção de matar).
Segundo o boletim de ocorrência registrado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), após sofrer a tentativa de assalto, ele atirou em Guilherme, acreditando ser um dos suspeitos.
Uma mulher de 26 anos que passava pelo local também foi atingida por um disparo e socorrida. No boletim, não há informações sobre o estado de saúde dela.
Ainda segundo o BO, três motos foram apreendidas, e outro homem, que trabalha na mesma empresa que Guilherme e também saía do trabalho, foi detido, mas liberado após prestar depoimento.
O próprio Guilherme havia publicado no status do WhatsApp uma foto do relógio de ponto à saída do trabalho.
Na versão atualizada do BO, amigos de Guilherme apresentarem à Polícia Civil indícios de que ele estava saindo do trabalho na hora da ocorrência, ele deixou de ser classificado como "envolvido" e passou a ser considerado "vítima".
A Polícia Civil afirma que, com base nas provas iniciais, "Guilherme não seria um dos criminosos e se aproximava com relativa pressa para se dirigir ao ponto de ônibus, situado cerca de 50 metros do local onde foi atingido".
O BO informa que o PM "provavelmente acreditou que se tratava de um dos criminosos que o haviam abordado" e que o policial deve ter agido por erro de "percepção", o que afasta a hipótese de legítima defesa. Por isso, foi autuado por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. A arma usada — uma pistola Glock calibre .40 pertencente à Polícia Militar — foi apreendida.
A investigação segue com apoio da perícia técnica, que vai analisar os estojos de munição recolhidos no local e demais evidências.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que "um policial militar de 35 anos foi preso em flagrante na noite de sexta-feira (4) após atirar e matar um homem de 26 anos na Estrada Ecoturística de Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo. O PM reagiu a uma tentativa de roubo praticada por um grupo de motociclistas efetuando disparos para dispersar os suspeitos. Na sequência, ainda no local, o policial viu um homem se aproximando e atirou novamente. O homem, no entanto, não tinha relação com a ocorrência".
Ainda de acordo com o comunicado, "o policial foi autuado por homicídio culposo, pagou fiança estabelecida nos termos do artigo 322 do Código de Processo Penal (CPP), e responderá ao processo em liberdade. O caso é investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e a Polícia Militar acompanha o inquérito".