Uma gravação da Polícia Federal (PF) na Operação Overclean mostra o coordenador do Departamento Nacional de Obras Contra às Secas (Dnocs) na Bahia preocupado com “muito dinheiro” de um senador que poderia ser bloqueado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
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A conversa foi entre Rafael Guimarães de Carvalho (foto em destaque), coordenador do Dnocs na Bahia, e o empresário Alex Parente. Rafael foi alvo de busca, e Alex acabou preso na primeira fase da Overclean.
Na conversa, cujo áudio foi obtido pela coluna, o chefe do Dnocs na Bahia e o empresário dono da Allpha Pavimentações mostram preocupação com as decisões do ministro Flávio Dino que, em agosto de 2024, bloquearam os pagamentos de emendas e cobraram transparência do Congresso.
A Allpha Pavimentações é investigada na Overclean e tem mais de R$ 150 milhões em contratos com o Dnocs, a maioria custeado com dinheiro de emendas do relator, o chamado orçamento secreto.
Após relatar ao empresário sua preocupação com a decisão, Rafael Guimarães afirma que muitas obras conduzidas pela autarquia comandada por ele eram relacionadas com emendas parlamentares.
“Primeiro é o orçamento, depois é o financeiro. Primeiro eu faço o empenho do orçamento, depois eu faço o financeiro. Só que o que eles estão dizendo é justamente até 2023, entendeu, Alex, não é coisa nova. Não é 2024. Entendeu? E todas as minhas obras, muitas obras são frutos de emendas”, afirma.
Como Parente tenta tranquilizá-lo, o chefe no Dnocs insiste na preocupação, diz que tem muita pressão e afirma que se trata de “emenda do senador” e “muito recurso, muito dinheiro do senador”.
“Todas (emendas), todas, entendeu? Não tem TED, mas a maioria TED foi equipamentos. Obra, que deu [inaudível] foi emenda. Emenda do senador, inclusive. Muitos recursos, dinheiro do senador. Então, velho, preocupado, porque… Muita, muita, muita pressão aí, velho”, afirma o chefe do Dnocs.
Na conversa não fica exposto quem seria o senador. A coluna procurou o chefe do Dnocs e enviou questionamentos sobre a identidade do parlamentar citado, mas não obteve resposta.
A coluna procurou o senador. Em uma conversa em seu gabinete, Angelo Coronel confirmou a indicação ao cargo do atual chefe da autarquia e defendeu Rafael Guimarães das suspeitas de envolvimento no esquema investigado na Overclean.
“Ainda acho que é uma pessoa séria, a Polícia Federal não teve nenhuma prisão dele, então até que me prove o contrário, a pessoa pra mim é inocente”, disse.
Questionado se ele seria o senador citado por Rafael na conversa com o empresário investigado pela PF, o senador disse que poderia ser um deles, já que enviou emendas para o Dnocs em 2020.
“Eu coloquei emenda. Se ele cita senador, eu sou um dos citados, porque eu coloquei […] As minhas todas colocadas nos órgãos, tá tudo lá”, afirmou.
O senador, contudo, não é um dos alvos da Operação Overclean, tampouco é investigado no caso. O gabinete de Angelo Coronel afirmou à coluna, ainda, que as indicações de 2020 foram realizadas, mas o dinheiro não saiu. Ou seja, “não teve indicação de recursos da parte dele diretamente ao Dnocs”.
Sobre a suposta pressão sofrida pelo chefe do Dnocs, o senador disse que isso era comum, uma vez que os parlamentares querem ver os valores destinados via emendas serem empregados nas obras.
“Por exemplo, eu pressionava. Todos os parlamentares. ‘Cadê a obra? Cadê a obra? Cadê a obra?’ Entendeu? E a obra não saía, então ele ficava preocupado com o quê? O senador, ou deputado A, B, C ou D botou o recurso. Mas você bota o recurso, não é lá. O recurso sai daqui. E o recurso não está chegando lá. Entendeu?”, disse à coluna.
Angelo Coronel negou, no entanto, que tem qualquer relação com Alex Parente e a Allpha Pavimentações.
“Não. Não sei nem quem é. Eu tenho até curiosidade de conhecer porque não sei quem é. É que, sabe, podem votar em mim para senador (risos)”, disse sobre os irmãos Alex e Fabio Parente.
Sobre a Allpha, o senador afirma que não indica a construtora, que apenas coloca o dinheiro no Dnocs.
“Nenhuma emenda nossa caiu na mão dessa empresa que está sendo citada. Zero, zero, zero. Não conheço ele e também não destinei nenhuma emenda. A gente não indica a construtora. Você bota o dinheiro no Dnocs e ele pega uma lista de todas as empresas que deram ata”, disse.
A investigação da Polícia Federal teve início para apurar desvios em contrato do Dnocs, mas expandiu seu foco após quebras de sigilo telemático e gravações ambientais que mostraram a atuação de um grupo de empresas em contratos milionários firmados com o governo federal e com administrações estaduais e municipais.
A primeira fase foi deflagrada no fim de 2024. São investigados os crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção e fraude licitatória.
A terceira e mais recente fase da operação ocorreu no início de abril, com o objetivo de apurar supostos crimes de obstrução de Justiça. Ela foi a primeira depois de o caso subir para o STF, após citações ao deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA).
Enquanto nas primeiras fases os investigadores focaram em como as fraudes ocorreram no direcionamento dos contratos nas cidades e nos órgãos federais, a última investida da Overclean começou a apontar para os tentáculos do grupo no executivo federal, partidos políticos e operadores financeiros.
Os investigadores se valeram, nessa fase, de conversas apreendidas nos celulares nas duas primeiras fases, dados enviados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), depoimentos e interceptações telefônicas.
Foram alvo, mais uma vez, integrantes da família Parente, um lobista do esquema e o empresário José Marcos Moura, conhecido como Rei do Lixo na Bahia.
Uma das novidades da 3ª fase é o surgimento de Gabriel Mascarenhas Sobral, apontado como lobista do grupo a atuar em dois ministérios do governo federal.