Isabella Lima
Terra
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Foto-Senado federal
O governo publicou em maio o edital para 1.000 vagas na PF, distribuídas entre delegados (120), peritos criminais (69), agentes (630), escrivães (160) e papiloscopistas (21).
Para Susanna do Val Moore, presidente do sindicato da categoria em SP, o número de vagas previstas no novo concurso está longe de suprir o déficit do efetivo. Segundo ela, com cerca de 12,6 mil policiais em atividade no Brasil, a PF enfrenta desafios que vão desde a vigilância dos 17 mil km de fronteira até o controle de armas de CACs, passando pela segurança de autoridades e operações em aeroportos internacionais.
"Antigamente, a carreira era mais valorizada salarialmente e em benefícios", explica a agente. "Hoje, outros cargos públicos que não enfrentam os mesmos riscos têm salários melhores, com formação equivalente."
O que faz um policial federal?
A Polícia Federal, órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, é a principal força de polícia judiciária da União conforme estabelece a Constituição Federal. Com sede em Brasília e unidades em todas as capitais brasileiras, sua atuação se divide em três grandes eixos:
Investigação criminal:
Tráfico internacional de drogas
Corrupção e lavagem de dinheiro
Crimes ambientais e cibernéticos
Contrabando e descaminho
Segurança nacional:
Controle de fronteiras (terrestres, aéreas e marítimas)
Fiscalização em portos e aeroportos
Emissão de passaportes
Fiscalização dos CACs, colecionadores de armas, atiradores esportivos e caçadores com registro para terem armas de fogo
Proteção institucional
Segurança de autoridades e eventos oficiais
Proteção a testemunhas e vítimas
Prevenção a atos terroristas
Apesar de desempenharem funções essenciais, agentes dos cargos mais baixos da hierarquia da Polícia Federal relatam uma disparidade: enquanto delegados e peritos recebem os maiores salários, agentes, escrivães e papiloscopistas --que atuam diretamente na linha de frente das investigações-- afirmam não receber a mesma valorização.
Um dos principais entraves, segundo a categoria, é a ausência de um plano de carreira estruturado, aliado à defasagem salarial. “Atualmente, na PF, um agente com 30 anos de serviço não pode ganhar mais do que um delegado iniciante. Então muitos que lidam diretamente com o crime, arriscando a própria vida, se sentem cada vez menos valorizados”, afirma a presidente do sindicato da categoria em São Paulo.
Ela acrescenta que a qualificação dos servidores também é ignorada. “Temos dados dos últimos concursos que mostram que 30% dos aprovados possuem mestrado ou doutorado, comprovando o alto nível de formação exigido para esses cargos. No entanto, essa especialização não tem sido devidamente reconhecida no serviço público, especialmente quando comparada a outras carreiras com exigências semelhantes.”
Susanna explica que os profissionais ainda precisam passar por meses de formação na Academia Nacional de Polícia, onde realizamtreinamento intensivo. Ela destaca que a evasão de servidores causa prejuízos ao serviço público, já que o curso é caro e envolve diversos professores, além de custos elevados com armamentos, munições e disciplinas práticas. Com a saída precoce de agentes, esse investimento acaba sendo desperdiçado.
Problemas na reforma da Previdência e riscos da profissão
A representante da categoria aponta que as mudanças nas regras de aposentadoria após a reforma da Previdência de 2019 são outro fator que tem levado muitos policiais a buscar valorização fora da carreira. Ela destaca a retirada da integralidade e da paridade, além do aumento do tempo de contribuição, como medidas que descaracterizaram a aposentadoria policial especial -- modelo que, segundo ela, ainda é adotado em diversos países desenvolvidos.
De acordo com a dirigente, há um motivo funcional para que policiais possam se aposentar mais cedo: o desgaste físico da profissão e os riscos envolvidos. Ela lembra que, ao ingressarem na carreira, muitos são enviados a regiões de fronteira ou áreas isoladas, o que afeta não só o policial, mas toda a família.
A perda da integralidade e da paridade, que garantiam salário igual ao da ativa na aposentadoria, compromete a atratividade e a segurança da carreira no longo prazo.
Além disso, ela menciona alterações na pensão por morte. Atualmente, o benefício integral só é concedido se o falecimento ocorrer em serviço e for resultado direto de um ato violento. "Se um policial morre numa perseguição de carro, não é considerado 'violento', mesmo estando em serviço", critica.
Evasão de profissionais e concurso "facilitado"
A representante da categoria aponta que a flexibilização da prova física nos concursos recentes da Polícia Federal mudou o perfil dos candidatos aprovados. Segundo ela, editais mais antigos, como os de 2004 e 2009, exigiam desempenho físico mais rigoroso, com metas difíceis em provas como barras, natação e corrida. A partir de 2020, esses critérios teriam sido reduzidos, permitindo que pessoas sem preparo físico específico conseguissem aprovação.
Com isso, o concurso passou a atrair candidatos que não têm vocação para a carreira policial, mas o veem como etapa temporária em seu trajeto até outros cargos públicos. Isso, segundo ela, impacta negativamente a permanência desses profissionais na corporação e representa prejuízo à administração pública, que investe alto na formação desses servidores.
"É importante ter a vocação para a carreira policial, porque é uma carreira desgastante. Então, se a pessoa não tem vocação, realmente fica muito pesado para a pessoa poder seguir nessa carreira", destaca Susanna.
Segundo ela, a saída de um policial federal para outro cargo público não é simples, pois exige aprovação em um novo concurso, incluindo todas as etapas e, em alguns casos, novo curso de formação. Ela destaca que essa transição envolve anos de preparação e estudo, o que torna preocupante o fato de muitos servidores estarem dispostos a recomeçar esse processo devido à insatisfação com a carreira atual.
Para ela, essa realidade reflete a falta de atratividade do cargo e a dificuldade de retenção de profissionais. Susanna também aponta que a categoria enfrenta obstáculos para ser ouvida pelo governo federal, que, segundo ela, costuma dar mais espaço às lideranças da gestão, como os delegados, em vez de ouvir os demais cargos da corporação.
"Infelizmente, não fomos ouvidos o suficiente", diz. "Para os cargos de delegado e perito, acredito que houve avanços e certa satisfação, mas para agentes, escrivãos e papiloscopistas, sentimos que ainda não conseguimos a recomposição necessária para a valorização do cargo e para que a PF continue atuando com excelência", destaca.
O Terra entrou em contato com o Ministério da Justiça, que orientou procurar a Polícia Federal. Caso a PF se manifeste, esta reportagem será atualizada.
Fonte: Redação Terra