O agronegócio do Brasil cresce, obtém safras recordes e avança no mercado mundial, apesar da incerteza e da falta de políticas de longo prazo. O setor teria mais segurança e consistência se o país dispusesse de um plano com visão de longo prazo.
Enquanto grandes produtores mundiais agropecuários como União Europeia, China, Estados Unidos e Índia implementam políticas e desenvolvem planos com projeções para quatro ou cinco anos, o Brasil ainda opera um sistema anual de planejamento agrícola, denotando um imediatismo persistente que dificulta avanços firmes e estáveis do agronegócio.
“A falta de uma visão de longo prazo impede a implementação de políticas mais estratégicas e consistentes para o desenvolvimento do setor agrícola e a busca por sustentabilidade”, diz Maria Flávia Tavares, economista, professora na Fundação Getúlio Vargas e na PUC-PR.
O produtor rural e a agroindústria contam com o Plano Agrícola e Pecuário, o PAP, e com Plano Safra, aguardados todo ano. São propostas, como se sabe, de curto prazo: o PAP define políticas e metas anuais para o setor agrícola e pecuário e o Plano Safra estabelece recursos financeiros para o custeio e investimento na produção para um mesmo período.
E se, de um lado, esses planos possibilitam alguma facilidade de adaptação as variações climáticas e de mercado, de outro dificultam a coordenação das necessidades da produção, prejudicam o desenvolvimento rural e não pavimentam caminho para a segurança alimentar, como argumenta Tavares.
É necessário ao menos uma visão de médio e longo prazos, estudando erros e acertos de outros países e regiões que mantém planos com alguma longevidade.
China tem planos para cinco anos
Os chineses operam os chamados Planos Quinquenais, estabelecendo metas e estratégias de desenvolvimento econômico e social do país, e o setor agrícola. O Plano Quinquenal em vigor (2021-2025) enfatiza a segurança alimentar, o desenvolvimento rural e a modernização agrícola, “evidenciando um forte compromisso com a autossuficiência e um controle estratégico sobre o setor”, explica Tavares num artigo recente. E os Estados Unidos não são diferentes.
Plano Agro dos EUA é para quatro anos
A política agrícola norte-americana é regida pela Farm Bill, uma lei federal revisada a cada quatro anos, que contempla desde subsídios diretos a produtores rurais e programas de seguro agrícola, até investimentos em pesquisa e desenvolvimento, iniciativas de nutrição e conservação ambiental.
A Farm Bill envolve a participação ativa de produtores rurais, empresas do agronegócio e grupos de defesa ambiental, cada qual representando seus interesses e perspectivas.
A última foi aprovada em 2018 com objetivos para até 2023. Atualmente, mesmo com algum um desarranjo no agronegócio do país, o Congresso dos Estados Unidos debate uma nova versão dessa proposta de longo prazo.
Europeus têm planos a cada cinco anos
A União Europeia adota uma Política Agrícola Comum, o PAC, que é reavaliado a cada cinco anos. A mais recente revisão da PAC foi aprovada em 2021 e vigora até 2027, com vistas a garantir a segurança alimentar, oferecer suporte aos agricultores e promover um desenvolvimento rural sustentável.
“Embora a PAC busque um equilíbrio entre a produção agrícola, a sustentabilidade e o desenvolvimento rural, ela frequentemente enfrenta críticas devido à sua complexidade e aos desafios inerentes à sua implementação”, lembra Tavares.
Agro da Índia possui planos quinquenais
A Índia também se organiza com Planos Quinquenais, estabelecendo objetivos econômicos, incluindo o setor agrícola. Além de definir metas de produção, volumes de investimento e políticas específicas para o setor, o plano prevê a proteção do setor agrícola e a garantia da renda dos produtores.
Negociadores brasileiros do setor sucroalcooleiro conhecem bem os objetivos do governo indiano, inclusive as políticas intervencionistas como preços mínimos e subsídios.
O que falta ao produtor brasileiro
A periodicidade anual do PAC e do Plano Safra é um desafio constante para o produtor rural brasileiro. O agronegócio exige planejamento minucioso, investimentos de capital e decisões que impactam ciclos produtivos futuros.
“Sem horizonte mais longo, claro e previsível de políticas e financiamentos, torna-se extremamente difícil se organizar... E até mesmo gerenciar riscos de forma eficaz”, explica Tavares.
As mudanças anuais nas linhas de crédito, nos subsídios, e nas taxas de juros, causam incertezas que inibem decisões para a modernização e a sustentabilidade no campo.
“Imagine um produtor decidindo sobre a adoção de uma nova tecnologia de irrigação, que demandará um investimento significativo e cujo retorno se dará em vários anos”, questiona a Tavares. Difícil.
Faltam políticas públicas de médio e longo prazo em vários setores, mas esses assuntos passam distante do Congresso Nacional e de entidades que representam o setor agropecuário, ocupados em obter resultados de curto prazo.
No agronegócio é fundamental e urgente direcionar esforços para um planejamento plurianual e reavaliar as ações e intervenções de curto prazo.
“Uma visão de longo prazo permitirá que os governos priorizem recursos para áreas estratégicas, estimulem a inovação e construam um setor agrícola resiliente e competitivo”, defende Tavares.
Mas com tantas pressões por resultados imediatos, quem se ocupa disso?
