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Paradoxal

STJ nega pedido da OAB-RJ e mantém no ar site que vende petições feitas por inteligência artificial

É paradoxal dispensar por lei a assistência obrigatória de advogado nos juizados especiais e proibir que o cidadão acesse ferramentas que possam ajudá-lo a criar petições melhores com o uso da tecnologia.

Foto-Conjur

É paradoxal dispensar por lei a assistência obrigatória de advogado nos juizados especiais e proibir que o cidadão acesse ferramentas que possam ajudá-lo a criar petições melhores com o uso da tecnologia.

Com esse entendimento, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Herman Benjamin, negou o pedido da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) de suspensão das atividades da plataforma digital Resolve Juizado.

A ferramenta utiliza inteligência artificial para redigir petições iniciais, promovendo a judicialização em massa de causas nos juizados especiais. O serviço é oferecido ao público leigo mediante remuneração e publicidade ostensiva, o que, para a OAB-RJ, configura mercantilização da advocacia.

A ação tem como alvo a decisão do desembargador federal Marcelo Pereira da Silva, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que suspendeu liminar anteriormente concedida pela 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

cautelar havia determinado a suspensão imediata das atividades da plataforma, que, segundo a OAB-RJ, oferece serviços jurídicos automatizados sem a devida habilitação profissional, infringindo o Estatuto da Advocacia e o Código de Ética da profissão.

De acordo com a OAB-RJ, o funcionamento do serviço representa exercício ilegal da advocacia, bem como grave ameaça à ordem pública e à cidadania.

Tecnologia elogiada

Em sua decisão, Herman Benjamin apontou que a suspensão de liminar e sentença depende da existência de ação em curso contra o poder público requerente e constitui incidente no qual se busca a reparação de situação inesperada que tenha promovido a alteração no status quo em prejuízo da Fazenda Pública. Não é o caso da ação da OAB-RJ, conforme o ministro.

“Note-se, inclusive, que no caso a ação foi ajuizada pela OAB contra um particular, o que indica que é manifesto o indevido uso da SLS como sucedâneo recursal. De qualquer forma, o instituto da suspensão de liminar e de sentença objetiva suspender decisão que defere medida liminar. Logo, aqui, o que se tem é decisão que suspendeu os efeitos da liminar concedida em primeiro grau, sendo descabido, como regra, o emprego do instituto suspensivo (cujo próprio nome já esclarece que tem o objetivo de impedir a execução de medida ativa) para obter (restabelecer) a medida liminar que foi suspensa pelo tribunal de origem.”

O presidente do STJ destacou que a plataforma Resolve Juizado apenas visa auxiliar a elaboração de petições iniciais com o uso de inteligência artificial para ações de pequenas causas, que não exigem advogado. Isso favorece “a ampliação e a democratização do acesso à Justiça, permitindo ao cidadão com menor grau de instrução submeter ao Judiciário sua pretensão nas causas de valor limitado ao teto legal, com a cobrança de valores módicos pela prestação de tal serviço, que não tem qualquer correlação com honorários de advogado”, conforme argumentou o desembargador Marcelo Pereira da Silva, do TRF-2.

“Tal ponderação não pode ser desconsiderada, especialmente à vista do artigo 9º da Lei 9.099/1995 — dispositivo declarado constitucional pelo STF (ADI 1.539) —, que dispensa a assistência obrigatória de advogado nos juizados especiais nas causas de valor até 20 salários mínimos. Ora, em tese, seria paradoxal dispensar por lei a assistência obrigatória de advogado e, ao mesmo tempo, entender que o cidadão só poderia receber auxílio, inclusive na formalização de seu pedido, por meio de advogado. E ainda pior seria vedar, pela via transversa, o uso de ferramentas amplamente utilizadas atualmente até por pessoas leigas, como a inteligência artificial”, argumentou Benjamin.

Outros casos

Dois episódios ocorridos recentemente — um deles no Supremo Tribunal Federal — mostram que o uso da inteligência artificial para a produção de peças processuais e outros procedimentos causa problemas para o Judiciário e atrapalha a prestação jurisdicional. No caso mais recente, o ministro Cristiano Zanin, do STF, rejeitou reclamação constitucional redigida por uma ferramenta de IA.

Apresentada por um servidor público demitido, a ação buscava anular acórdão do Tribunal Superior do Trabalho com o argumento de que o réu havia sido absolvido criminalmente — o que anularia a punição no âmbito administrativo. Na reclamação, o autor incluiu decisões anteriores do STF que supostamente embasavam suas alegações.

Segundo Zanin, contudo, os precedentes citados não tinham relação com o caso analisado ou sequer existiam. Além disso, o ministro observou que todas as páginas da petição continham a marca d’água “Criado com MobiOffice”, referência a aplicativo que usa a IA.

“O advogado parece ter usado inteligência artificial sem revisar depois e tentou enganar o STF com precedentes falsos e interpretações erradas”, disse Zanin. Além de rejeitar a petição, o ministro multou o autor por má-fé e ordenou que o caso fosse levado à OAB para a adoção de providências.

Google tradutor

O outro episódio é do final de abril. Durante sessão ordinária da 2ª Turma Recursal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, um advogado usou a voz robotizada do tradutor do Google, também produzida por IA, para fazer sua sustentação oral diante do colegiado. A informação é do site Migalhas.

O processo versava sobre concessão de benefício previdenciário. Ao ser chamado para se manifestar, o advogado anunciou que usaria a voz da tradutora virtual para fazer a sustentação. Ele, então, acionou a ferramenta, que narrou a argumentação. O causídico ainda pediu tempo extra para que a tradutora terminasse a leitura.

O juiz Alexandre Moreira repreendeu o advogado. “Doutor, isso está absolutamente repetitivo e desnecessário. Eu vou pedir para cortar o seu som”, disse o magistrado. Outro membro da turma recursal afirmou que o advogado agiu com “desrespeito” ao obrigar os magistrados a ouvir a tradutora virtual.

“Se é para ser feito dessa forma, que se juntasse aos autos a gravação. Não vim aqui para ouvir gravação. Não tem cabimento.”, disse o magistrado.

 

Sérgio Rodas é editor da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

 

 

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