Preso em Cuiabá nesta sexta-feira (11) durante a segunda fase da operação Sodoma, o advogado e ex-secretário estadual de Administração César Zílio foi apontado pelo Ministério Público (MP) como mais um integrante da suposta organização criminosa liderada pelo ex-governador Silval Barbosa, preso em setembro. Segundo o MP, que provocou o decreto de prisão preventiva de Zílio pela Sétima Vara Criminal da capital, o ex-secretário praticou lavagem de dinheiro por meio da aquisição de um terreno de 30 mil metros quadrados por cerca de R$ 13 milhões na Avenida Beira Rio, em Cuiabá.
A reportagem não conseguiu localizar o advogado de Zílio, Ulisses Rabaneda, para comentar o caso. Conforme as investigações, parte do dinheiro empregado por Zílio para a transação do imóvel foi de cheques emitidos por uma das empresas de João Batista Rosa, apontado como vítima do grupo criminoso em um esquema de fraudes na concessão de incentivos fiscais.
✅ Clique aqui para seguir o canal do CliqueF5 no WhatsApp
"A aquisição do imóvel visou apenas ocultar a origem ilícita do dinheiro utilizado pela organização", afirmou o MP à Justiça, segundo consta da decisão que decretou os mandados judiciais cumpridos na segunda fase da operação Sodoma nesta sexta-feira. Ainda conforme a decisão, a atuação de Zílio dentro do esquema evidenciou que a abrangência da suposta organização criminosa foi além do imaginado, com "tentáculos" em outras secretarias até então não mencionadas na investigação.
Lavagem de dinheiro
Ainda na primeira fase da operação Sodoma, o MP apontou que Silval e os ex-secretários estaduais Pedro Nadaf (Casa Civil e Indústria e Comércio) e Marcel de Cursi (Fazenda) incluíram de forma irregular o empresário João Batista Rosa no programa de incentivos fiscais do estado e o forçaram a pagar propinas até o início do ano de 2015 sob ameaça de revelar as irregularidades em seus benefícios fiscais.
Agora, nesta segunda fase da operação, o MP apontou uma das formas encontradas pelo grupo para praticar a lavagem do dinheiro recebido em cheques de João Batista Rosa, delator do esquema à Polícia Civil. Ao menos 11 cheques assinados por ele, totalizando R$ 51,4 mil, foram entregues por Pedro Nadaf e diluídos nos montantes das quatro parcelas usadas na aquisição do terreno em julho de 2012.
Além disso, segundo o MP, foram utilizados um cheque emitido pela NBC - suposta empresa de fachada de Pedo Nadaf - no valor de R$ 3,5 mil e outros 43 cheques - totalizando R$ 1,9 milhão - de empresas que, à época em que Zílio era titular da Secretaria de Administração (SAD), mantinham contratos com o governo do estado.
A transação, entretanto, não envolveu Zílio nominalmente. Segundo as investigações, a pedido dele, os vendedores do terreno na Avenida Beira Rio negociaram com o arquiteto José Costa Marques e com a empresa Matrix Sat Rastreamento de Veículos, da qual o arquiteto é sócio-proprietário.
O então secretário de Administração já mantinha relação com o arquiteto, contratado para construir sua casa em um condomínio de Cuiabá em 2011 e pago com R$ 5,5 milhões em dinheiro e com cheques da empresa Consignum, que mantinha contratos com a SAD naquela época.
A sede da Consignum em Cuiabá foi um dos alvos de mandados judiciais de busca e apreensão nesta sexta-feira. Na residência do proprietário, Willian Paulo Mischur (também preso na operação), foi encontrado cerca de R$ 1 milhão em espécie. Na aquisição do terreno foram utilizados cheques da Consignum no valor total de R$ 1,2 milhão e Mischur é apontado como “peça-chave” nesta parte do esquema investigado.
Conforme o acordo firmado com Zílio, o arquiteto José da Costa Marques também assinou um contrato “de gaveta” no qual foi assegurado ao pai do ex-secretário, Antelmo Zílio (morto em 2014), a propriedade sobre o terreno. Em 2012, César Zílio disse a Marques que pretendia erguer na área um prédio comercial com 700 salas para aluguel.
O esquema só foi revelado nas investigações porque Marques procurou a polícia na condição de delator após a primeira fase da operação Sodoma, em setembro de 2015.
'Cobertura'
Marques ficou receoso porque percebeu que utilizou cheques de João Batista Rosa na transação do imóvel a pedido de Zílio e expôs sua preocupação ao ex-secretário, que tentou demovê-lo da ideia de procurar a Polícia.
Entre outros argumentos, o ex-secretário teria dado a entender que detém poder de influência, pois foi tesoureiro de campanhas de Blairo Maggi (senador pelo PR) e do ex-governador Silval Barbosa. Ele também ofereceu os serviços do advogado Ulisses Rabaneda, que também defende o ex-governador na operação Sodoma, e tentou forjar uma “história cobertura” para ocultar o caso das investigações em curso.
Seguindo esta estratégia, Zílio propôs a assinatura de um novo contrato – fraudulento e que conteria assinatura de seu pai, já morto à época - para substituir o contrato de gaveta anterior, que teria de ser destruído. Diante da resistência de Marques e suspeitando que o arquiteto o estava gravando, Zílio chegou a se comunicar com ele durante um encontro apenas por manuscritos, afirmou o MP.
As propostas de Zílio para acobertar o esquema de lavagem de dinheiro foram recusadas por Marques, que efetivamente denunciou o caso à Polícia Civil e ao MP, embasando as ações da segunda fase da operação Sodoma. Para o MP, a conduta de Zílio deixou claro que “a organização criminosa está agindo no intuito de tentar destruir as provas da prática do crime em apuração, bem como pretende criar documentos falsos para acobertar a verdadeira face criminosa dos fatos em exame, que versam sobre uma soma superior a R$ 13 milhões”.
“A forma como a organização se ajustou, visando consolidar a ocultação do produto das propinas na simulação de compra de um terreno e na edificação de um empreendimento comercial de grande monta, é reveladora de sua nociva e perigosíssima capacidade articuladora”, registrou a juíza Selma Rosane dos Santos Arruda, da Sétima Vara Criminal da capital, em decisão do dia 26 de fevereiro.
A magistrada ainda apontou uma “sanha criminosa” e sugeriu que o esquema investigado pode ser maior do que se imagina: “Quiçá muitos outros atos criminosos não estejam escondidos sob os indícios agora levantados pela autoridade policial?”, questionou na decisão.
O G1 tentou entrar em contato com o advogado Ulisses Rabaneda para comentar o teor das investigações desta fase da operação Sodoma, mas sem sucesso. Até a sexta-feira ele ainda não tinha tido acesso ao inquérito, bem como o advogado Darlan Vargas, que defende o empresário Willian Paulo Mischur.