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Sexta-feira, 04 de Março de 2016, 07h:55 - A | A

OPORTUNIDADES

Da construção civil para a culinária, haitianos encaram oportunidades

Depois da Copa, oferta de emprego na construção civil diminuiu em Cuiabá

G1 MT

A rotina de Djemina Claude, 23 anos, é agitada. Acorda ainda de madrugada, pega três ônibus para chegar ao trabalho às 8h. No buffet, em Cuiabá, desempenha a função de auxiliar de cozinha até as 17h20, de segunda a sábado. Apesar da batalha diária, a vida é bem melhor do que a do Haiti, de onde ela saiu há dois anos em busca de garantir a sobrevivência dela e da família.

Nesse período, ela já deu à luz uma menina, Isabela, hoje com sete meses, que fica aos cuidados de uma babá durante o dia. O marido de Djemina, Juniol Challes, de 27 anos, também trabalha. Ele atua na área de construção civil, em Cuiabá. “Lá [no Haiti] falta serviço e não conseguia emprego”, afirmou a haitiana.

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A família vive numa casa alugada em Várzea Grande, região metropolitana de Cuiabá. Somados os salários dos dois, a renda chega a R$ 2,2 mil. O casal paga R$ 400 de aluguel, além de mandar dinheiro para os familiares que continuaram no país de onde vieram. Sobre as dificuldades encontradas em Cuiabá, Djemina tem pouco do que se queixar.

“Achei a língua difícil no começo. Agora não acho mais. E aqui é mais quente do que no Haiti. Quero ficar e estudar”, declarou. Djemina tenta juntar dinheiro para viajar para o Haiti em 2016 e visitar a mãe, que está doente. A mãe dela está com problemas de saúde e precisa passar por uma cirurgia. A família ainda não tem o dinheiro para o procedimento cirúrgico.

Djemina faz parte dos quase cinco mil haitianos que moram em Mato Grosso, conforme estimativa da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Mato Grosso (SRTE/MT). Em geral, a principal dificuldade dos haitianos é aprender a língua portuguesa, além da pouca qualificação profissional que possuem.

Experiência

A novidade de trabalhar em solo cuiabano também chegou na vida do paulistano Aurivan Lima, de 32 anos, que há quase dois anos assumiu o cargo de chefe de cozinha do buffet onde Djemina trabalha. Para ele, os haitianos se destacam pela alegria e disposição de desenvolver qualquer atividade. No buffet e no restaurante do mesmo grupo, são mais de 30 haitianos contratados.

“Foi um impacto para conversar e se expressar, mas no dia a dia foram se adaptando e me relacionei bem com eles. Dentro de sete meses a desenvoltura deles aumentou. São [pessoas] dinâmicas, sorriem bastante. Quando começam a falar na língua deles eu fico zoando eles: 'Meu, fala em português!'”, brincou.

Sob coordenação de Aurivan, a maioria dos haitianos são jovens, na média de 25 anos. “Dentro da cozinha eles são as pessoas mais felizes do mundo e eles transmitem isso. Às vezes está um estresse total e eles não estão nem aí, brincam [bastante]. É muito bacana. O mundo pode estar acabando e mesmo pelos problemas e dificuldades que tiveram, eles estão sempre felizes”, classificou o chefe de cozinha.

As contratações de haitianos na empresa começaram antes da Copa do Mundo de 2014, conforme a diretora operacional do buffet, Beatriz Dàmbros, de 49 anos. “Temos haitianos na área de limpeza e outros como auxiliar de cozinha. Tem gente que virou açougueiro, outros que viraram pizzaiolos. Eles, no primeiro momento, começaram a trabalhar pelo dinheiro que tinham que mandar pra família. E depois eles começaram a trabalhar pelo gosto”, pontuou Dàmbros.

A empresa diz que percebeu dificuldade dos haitianos em cumprirem carga horária, entretanto, as normas foram esclarecidas e os trabalhadores se adequaram em pouco tempo. “Isso era uma dificuldade cultural. Mas eles participam das reuniões e, mesmo não entendendo nada, eles estão lá participando. Tem os que entendem mais e vão explicando para os que entendem menos. São super cooperativos entre eles”, disse.

Na empresa, em geral, os haitianos recebem entre R$ 1 mil a R$ 2 mil, dependendo da função que exercem. “Nós estamos pautados na economia. Hoje não estamos demitindo, mas também não estamos contratando. Se precisar contratar mais haitianos não teríamos problema. Mas hoje, na atual circunstância, não estamos demitindo nem contratando. Esse quadro está desde a metade do ano [de 2015] para cá.

Apesar de ter a esperança de conseguir um bom emprego e se estabilizar financeiramente, o custo de vida na capital mato-grossense assustou a haitiana Melise Taeldol, de 23 anos. A jovem saiu do Haiti com o marido e chegou em Cuiabá em março de 2015. Ela conseguiu ser contratada em uma padaria da cidade. Lá, ela trabalha no balcão de atendimento, lidando diretamente com os clientes.

Melise deixou a filha, de cinco anos, morando com a família do marido no Haiti. Ela diz que teve dificuldade em conseguir trabalho naquele país. Mesmo com o coração sentindo saudades da criança, a jovem se mostra determinada no emprego.

“Eu aprendo a fazer tudo. Fico no balcão, atendo cliente, atendo os colegas e atendo todo mundo. Se o outro [colega] faltou, eu vou lá, aprendo e faço o que ele faz. Por exemplo: se eu não sei fazer café e se o cliente pede café, eu peço pro colega [me ensinar]. Se dizem: 'deixa que eu faço', eu digo: 'não, eu aprendo a fazer”, garantiu Melise.

O colega de Melise, Deunatan Delice, de 37 anos, é muito solicitado na padaria. Apesar de nascer em Santo Domingo, na República Dominicana, Deunatan viveu boa parte da vida no Haiti, onde há mais de oito meses deixou a mulher com um casal de filhos, de 10 e 4 anos.

“Eu faço muita coisa, eu faço suco pela manhã e depois arrumo restaurante. Eu sirvo suco, refrigerante, arrumo [o local] e atendo as pessoas. Eu sempre mando dinheiro para minha esposa. Lá as coisas são caras”, lamentou o trabalhador.

No Haiti Deunatan trabalhava com a instalação e reparo de canos, em esgoto ou banheiros. “Estava faltando dinheiro e pensei em ir para outro país para tentar [ganhar] dinheiro”, revelou. O haitiano fala espanhol, francês e português, mas confessa que teve dificuldade em aprender a língua portuguesa. Ele diz que estuda nas horas vagas.

Deunatan mora em um bairro periférico de Cuiabá e divide o aluguel de uma casa com um amigo, também haitiano. Eles pagam R$ 400 por mês no imóvel. “Gosto da temperatura daqui, aqui eu não sinto frio”, brincou.

Disciplina

Além, de Melise e Deunatan, a padaria contratou outros 30 haitianos. Assim como em outras empresas, os haitianos começaram a procurar por serviço no estabelecimento da capital mato-grossense entre 2013 e 2014, antes da Copa do Mundo. Segundo o diretor de marketing e negócios da padaria, Valter Yamaguche, de 60 anos, os haitianos desenvolvem diversas funções, como cozinheiros, confeiteiros, padeiros, atendentes, limpeza e outros.

“Eles têm uma característica que agrada bastante: eles não faltam e não chegam atrasados. Eles respeitam muita essa questão de não faltar e não chegar atrasado. Também vemos que eles são muito pacientes. Aqui, quando eles entram, passam por um treinamento. Se ensina uma vez, ensina uma segunda vez, se não entender ensina a terceira, quarta, quinta, ensina 10 vezes, não tem problema. Quando eles aprendem o trabalho, realmente o rendimento é muito alto. Eles ficam felizes”, disse Yamaguche.

O diretor diz que a adaptação dos haitianos foi rápida e que são poucas as diferenças entre os brasileiros e os estrangeiros. “A diferença entre eles é que o haitiano, como todo migrante, tem sede de se estabelecer. O item principal é a vontade de aprender. Eles vêm de um país destruído por convulsões sociais e terremotos. Então ele chega ao Brasil com uma vontade imensa de conseguir um emprego. Aí se ele consegue ele se apega com garra naquele emprego. Essa é a diferença: ele enxerga no Brasil como uma salvação da vida dele”

Na padaria, o salário que os haitianos ganham varia entre R$ 890 a 1,5 mil. “Eles têm muita dedicação, pegam o dinheiro [do salário] e mandam para a família no Haiti. A maioria deles deixou mulher, filhos. As mulheres que vieram deixaram marido e filhos. Deixaram os pais e avós”, contou o diretor. A maioria dos haitianos na empresa é do sexo feminino, com idade entre 20 a 50 anos. Já os homens estão na idade entre 22 e 40 anos.

A padaria já chegou a ter mais de 35 haitianos trabalhando em uma época. Na avaliação do diretor, os haitianos prezam pela sinceridade e a transparência, tanto no trabalho como em situações diárias.

“O haitiano gosta de ouvir a verdade. São muitos sinceros, chegam a ser até ingênuos. Eles têm demonstrado que podem trabalhar em setores que exigem mais técnica. Eles têm provado que podem aprender qualquer tipo de serviço"]

Sobre o nível educacional e a qualificação dos haitianos da empresa, Yamaguche avalia que há uma diversidade. Alguns dos empregados sabem apenas ler e escrever e outros têm dificuldades na língua.

“Tivemos casos de haitianos que eram professor de inglês, professor de língua portuguesa, engenheiro e professor de matemática. Esses trabalharam aqui só o tempo de aprender a língua portuguesa e conseguir se estabilizar. Quando ele consegue aprender a língua portuguesa ele vai praticar a profissão dele”, recordou.

Ilusão

Pela experiência de Marilete Mulinari Girardi (auditora fiscal do trabalho há 28 anos e lida diariamente com haitianos na Casa do Migrante), os haitianos vieram com uma expectativa ilusória do que poderiam ganhar trabalhando em Cuiabá. A superintendência tem dados da chegava dos haitianos no início de 2013, principalmente no setor da construção civil por causa das obras da Copa do Mundo.

“No início eles chegaram com uma ideia totalmente errada de que eles iam receber em dólar e iam receber valores de R$ 4 mil a R$ 5 mil (que seria entre 2 a 3 mil dólares, na época o dólar era bem menos que hoje). Eles chegaram aqui e se depararam com outra realidade. Mas ainda tinha muitos que recebiam bem na época da Copa, entre R$ 2 mil a 3 mil. A notícia corria lá no Haiti e eles vieram para cá”, explicou a fiscal do trabalho.

A superintendência avalia que o 'boom' ocorreu na área da construção civil. No entanto, atualmente, os haitianos passaram a trabalhar em outras áreas, como a indústria, comércio e até agronegócio.

“Até o ano passado [2014], nas obras da Copa, eles tinham mais facilidade em conseguir emprego porque muitos dos homens iam para a construção civil. Hoje essa situação mudou um pouco: as mulheres estão com muita dificuldade de conseguir emprego. Alguns locais, como padarias e buffets, estão contratando mulheres, mas, no mais só em áreas do comércio, na área de serviços gerais. Os homens preferem a construção civil, até porque essa área tem um salário melhor do que as indústrias”, disse Mulinari.

Da estimativa de que cinco mil haitianos que estão em Mato Grosso, a SRTE/MT acredita que 10% dessas pessoas estejam desempregada.

“A nossa avaliação é que eles precisam de muita orientação e muito apoio. Eles têm várias dificuldades, principalmente comunicação. A língua é uma das principais dificuldades deles, além do desconhecimento da legislação. Lá na pastoral eu faço palestras de orientação de direito básico, toda vez que arrumamos uma vaga de emprego, passamos orientações do que eles têm direito e como têm que agir”, afirmou a fiscal do trabalho.

Mulinari recordou que, em uma situação atendida pela superintendência, um haitiano recebeu um cheque sem fundos como pagamento em uma empresa. O estrangeiro não compreendeu como as leis funcionavam e nem como a polícia agiu nessa situação.

“Ele falou o seguinte: 'Por que a polícia não prende?' Eu expliquei que é sim uma situação errada pagar um trabalhador com cheque, muito menos sem fundo, e aqui no Brasil não é considerado um crime para ser preso”, disse.

Pelos dados da superintendência, em geral, os haitianos recebem entre R$ 800 a até R$ 1,2 mil. São contratados mais homens do que mulheres. A idade das mulheres varia entre 20 a 35 anos. A faixa etária dos homens vai de 25 a 40.

O servente de pedreiro Occen Saint Fleur, de 32 anos, está há quatro anos no país e mora há três em Cuiabá. Ele já conheceu São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Atualmente desempregado, ele foi até a sede da superintendência para buscar a carteira de trabalho. “Vou ficar aqui até quando precisar. Eu trabalhava em uma farmácia no Haiti. Aqui é diferente, recebe por mês. Lá eu recebia por semana”, lembrou o haitiano.

Occen mora com a mulher, também haitiana, em uma casa no Bairro Planalto. Eles pagam R$ 400 de aluguel e também mandam dinheiro para a filha, de 9 anos, que ficou no Haiti. A mulher dele faz serviços de limpeza em uma empresa. “Está difícil para conseguir emprego. Estou deixando currículo [nas empresas], mas ninguém me chamou ainda", afirmou.

Ele diz que veio para o Brasil para conseguir uma oportunidade de emprego melhor, além de fugir da violência e desastres que atingiram o país dele.

“Outra coisa que acho preocupante é a falta de qualificação. O nível escolar deles também é muito baixo, em média eles têm apenas ensino fundamental. São poucos que têm segundo grau e nível superior. A qualificação no trabalho é que está fazendo falta para eles. Daí eles acabam indo sempre para serviços gerais e outras atividades mais simples da empresa”, disse a fiscal.

Entretanto, as empresas contratam e até ajudam os trabalhadores a conseguirem uma qualificação melhor. Consequentemente os haitianos conseguem mudar de setores e desenvolverem atividades que exigiriam mais qualificação profissional.

“Eles têm compromisso de mandar o dinheiro que recebem para o Haiti. Porque muitos deles têm família que fez uma 'cotinha' para a vinda deles [ao Brasil]. Outros venderam tudo que tinham lá para vir para cá. Eles têm esse compromisso porque as famílias têm muita dificuldade. Uns que têm que pagar escola para filho, pois existem poucas escolas públicas, a maioria é privada. Então, eles têm que se virar e mandar o dinheiro. Eles têm muita vontade e necessidade de trabalhar para se manter aqui e mandar dinheiro para a família. Eles são esforçados e têm medo de ser mandado embora, ou que haja a preferência de [contratar] um brasileiro”, declarou a fiscal.

Em três anos convivência e auxiliando os haitianos, Mulinari diz que encontrou apenas uma situação tida como trabalho escravo. No caso, os haitianos estavam acomodados em um alojamento considerado como irregular. Homens e mulheres dividiam o mesmo espaço e não tinham as acomodações necessárias.

Sobre os haitianos que trabalham como autônomos ou ambulantes, a fiscal orienta que o grupo permaneça o menor tempo possível nessa atividade e que busquem um serviço com carteira assinada, possibilitando então ter os direitos garantidos.

“Acho que a tendência é que diminua a vinda deles para cá. E os que estão aqui devem se estabilizar e vão ficar. Eles não têm a intenção, pelo menos ainda, de voltar, eles querem se estabelecer aqui.

 

A SRTE/MT também registrou contratações de haitianos no setor do agronegócio e em frigoríficos no interior de Mato Grosso. “Temos casos de haitianos trabalhando no agronegócio em fazendas de Campo Verde [a 139 km de Cuiabá], em frigoríficos em Paranatinga [distante 411 km da capital], em indústrias e outras empresas em Sorriso e Sinop [cidades a 420 e 503 km de Cuiabá]”, apontou.

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