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É essencial uma alimentação adequada

'Muitos alunos falam que vêm para escola pela comida': como desnutrição afeta aprendizado

Desde o nascimento, a alimentação saudável é essencial para manter o desenvolvimento cerebral e cognitivo dos pequenos, segundo especialista

Redação Terra

"Tem muitas crianças que vêm aqui na escola também por não terem alimentação em casa. Tem muitas que me falam que só vieram por causa da comida", afirma a cozinheira Josiane dos Santos*, de 25 anos. Moradora do Grajaú, bairro na Zona Sul de São Paulo, ela trabalha na cozinha de um colégio estadual da região, que conta com alunos do 6º ano do ensino fundamental à 3ª série do ensino médio. 

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"Eu vejo o quanto a alimentação na escola é importante. Eu fico com dó quando ouço isso, porque na minha infância eu já passei pela mesma coisa e agora estou acompanhando isso com muitas outras crianças", relembra.

Josiane nasceu e cresceu no Grajaú. Filha de mãe solo, que trabalhava como catadora de reciclagem, ela tem mais outros cinco irmãos. Hoje, a cozinheira tem um filho de 9 anos e consegue oferecer uma alimentação adequada para a criança em casa. Mas, com ela, nem sempre foi assim. 

A cozinheira recorda que, na infância, a família passou por muitas dificuldades financeiras e, por muitas vezes, não tinha o que comer. "Tomava o café da manhã e almoçava na escola. Em casa, era difícil", relembra. Ela afirma que, após as refeições, tinha mais energia e se concentrava melhor para as aulas.

Durante o período da tarde, ela e os outros irmãos ficavam em uma Organização não Governamental (ONG) do bairro enquanto a mãe trabalhava. Lá, eles participavam de várias atividades educativas e também faziam outras refeições, como o café da tarde. 

O relato de Josiane é a mesma realidade de muitas famílias brasileiras. Em todo o País, cerca de 27,6% dos domicílios enfrentam algum grau de insegurança alimentar, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualizada em 2023. Desses, em torno de 18,2% sofrem de insegurança alimentar leve, 5,3% moderada e 4,1% grave.

De acordo com definição do Ministério da Saúde, a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) consiste no direito de todas as pessoas ao acesso regular, permanente e irrestrito a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente para uma vida saudável. Quando isso não ocorre, há a insegurança alimentar. 

Só no Estado de São Paulo, quase 24% dos domicílios estão em situação de insegurança alimentar, sendo 16,6% leve, 3,9% moderada e 3% grave. Todos esses dados foram reunidos e podem ser consultados no Observatório Fiesp de Segurança Alimentar e Nutricional na Infância, uma ferramenta que reúne informações sobre a situação alimentar, nutricional e socioeconômica de crianças de zero a 10 anos no Estado de São Paulo e foi lançada recentemente pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

Desnutrição afeta o aprendizado de crianças
Diante desse cenário, as crianças podem ser muito atingidas. Em São Paulo, conforme dados do Censo Demográfico --atualizados em 2022 e que constam no Observatório--, o contingente de crianças de até 10 anos corresponde a 5,2 milhões de pessoas, cerca de 11,8% do total da população do Estado. 

Em 2024, o estado nutricional de 2,1 milhões de crianças dessa faixa etária foi avaliado. Dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) mostram que, no Estado, 78.837 sofrem com subnutrição, 577.132 com sobrepeso e 111.230 com obesidade.

Essa desnutrição pode impactar diretamente no desenvolvimento. Segundo Karina Viani, especialista em nutrição infantil e consultora do Programa Alimentar o Futuro, a nutrição adequada é muito importante para o desenvolvimento cerebral e também vai influenciar nas habilidades de aprendizagem dos pequenos.

"A alimentação, desde o nascimento, incluindo o aleitamento humano e depois os alimentos que a criança vai ingerindo ao longo da infância, é fundamental para manter esse desenvolvimento cerebral e cognitivo. A criança está desenvolvendo seu tecido nervoso, está criando ali novas células e a gente precisa de nutrientes adequados para conseguir que esse desenvolvimento cerebral seja adequado", explica Karina.

"A gente sabe que criança com desnutrição crônica tem desempenho inferior em teste de leitura, teste de memória, matemática, por exemplo. Já existem vários estudos em diferentes países que falam sobre isso. Episódios mais pontuais de fome, de insegurança alimentar durante os anos escolares afetam a concentração da criança, o rendimento escolar, a frequência escolar", acrescenta a especialista.

Alimentação adequada

Para uma alimentação adequada, é necessário incluir a maior diversidade possível de alimentos saudáveis
Foto: Sérgio Amaral/Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social
Para uma alimentação adequada, é necessário incluir a maior diversidade possível de alimentos saudáveis nas refeições das crianças. Conforme o Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, uma alimentação saudável é baseada em alimentos in natura e minimamente processados.

Karina destaca a importância do equilíbrio de todos os nutrientes para essa fase da vida de uma pessoa. "Uma quantidade adequada de energia, de proteínas, carboidratos e gorduras, a qualidade desses alimentos. A base da alimentação deve ser composta de alimentos in natura e minimamente processados. Uma alimentação variada, em quantidade adequada, em qualidade, ela é muito capaz de contemplar os nutrientes que a criança precisa para se desenvolver."

Segundo a especialista, há alguns nutrientes em que é preciso prestar mais atenção, ainda mais na alimentação dos pequenos, como o ferro e a vitamina A, mas o essencial é que as crianças tenham essa alimentação variada que contempla todos os nutrientes.

"Um grande problema que a gente vê no dia a dia com a criançada é de não ter hortaliças, verduras, frutas em quantidade suficiente na alimentação, por exemplo."

Nesse quesito, o Observatório também traz alguns dados sobre o consumo alimentar das crianças, com informações do Sisvan, de 2024. Cerca de 280 mil crianças de até 10 anos do Estado de São Paulo foram avaliadas. Dessas, somente 47 mil relataram que tinham consumido verduras e legumes no dia anterior ao questionário. Só 57 mil tinham consumido frutas.

"Tem criança que tem a quantidade de energia suficiente, às vezes até a proteína, mas faltam os micronutrientes, que são as vitaminas e os minerais que estão muito presentes nos alimentos coloridos, nas frutas, nas verduras e nos legumes. Isso é muito importante para o desenvolvimento", lembra Karina. "As crianças bem alimentadas têm uma cognição melhor. Elas têm um desempenho escolar melhor mais pra frente", completa.

Rotina com alimentação saudável
A doméstica Simone Aparecida Lopes Assis, 41 anos, tem dois filhos e vê na prática quanto a alimentação balanceada tem ajudado no desenvolvimento deles, no aprendizado e na concentração na escola. A família vive em Itápolis, cidade no interior de São Paulo. 

Um dos filhos dela é Matheus Henrique de Assis, de apenas 5 anos. Segundo Simone, o pequeno faz quatro refeições por dia, sendo três na escola municipal que frequenta, de tempo integral, além de tomar mamadeira. "A alimentação ajuda muito. Se a criança não se alimenta direito desde a escola, para vida toda ela vai ter uma dificuldade. Ajuda muito no desenvolvimento em várias áreas."

A mãe conta que a rotina de alimentação de Matheus, hoje, consiste em tomar a mamadeira ao acordar. Depois, na escola, ele toma o café da manhã, com pães e leite, o almoço, que conta geralmente com arroz, feijão, carne, salada e frutas, e o lanche da tarde. À noite, em casa, ele janta e, depois, toma mais leite.

"Ele come todas as refeições. Come muito bem na escola, ele gosta muito de fruta, ele gosta mais de maçã, banana. Então, ele come todas as refeições. As frutas que as tias dão ele come, a comida ele come muito bem na escola. [...] Desde pequenininho que a gente leva ele, eles sempre trataram muito bem na alimentação. Sempre foi muito acompanhado pela nutricionista", afirma.

De acordo com Simone, o filho sempre volta animado e gosta de relatar o que comeu ao longo do dia. "Todos os dias, ele fala: 'hoje teve isso', hoje teve aquilo', 'hoje eu comi maçã', 'hoje eu comi banana'. 'A gente fez um passeio', 'hoje a gente aprendeu sobre alimentação saudável'. Até toda fruta que aparece lá ele me fala. [...] A gente ensina em casa, mas a escola dá continuidade. Acho muito importante para o crescimento da criança, para o desenvolvimento da criança."

Desafios
Porém, não são todos as cidades que oferecem esse apoio. Para a especialista Karina Viani, atualmente, há boas políticas voltadas à promoção da Segurança Alimentar e Nutricional das crianças, no entanto, ela avalia que existe uma dificuldade na adesão por parte dos municípios e em cumpri-las.

"Uma coisa muito importante é fortalecer essas políticas, que é um dos nossos eixos de atuação do Programa Alimentar o Futuro. Esse incentivo e o suporte técnico mesmo para que os municípios façam adesão ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Sisan, por exemplo. A criação e fortalecimento de conselhos municipais de segurança alimentar e o desenvolvimento de um plano municipal de segurança alimentar e nutricional, que é uma coisa que poucos municípios têm", pontua. 

Como lembra a especialista, com base nos dados do Observatório de Segurança Alimentar e Nutricional, dos 645 municípios do estado de São Paulo, por exemplo, somente 58 fizeram adesão ao Sisan.

Criado em 2006 e parte da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), regulamentada em 2010, o Sisan é um sistema que articula vários setores, que atuam nas esferas federal, estadual e municipal, que trabalham com políticas públicas para assegurar o direito humano à alimentação adequada. O sistema faz parte Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.

"Outro eixo que a gente trabalha é o de alimentação escolar, ajudando no fortalecimento da Política Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) -- repasses de recursos para garantir a alimentação dos estudantes da educação básica em escolas públicas --, que é uma política muito boa, mas existem dificuldades de ser bem aplicada", ressalta a especialista.

"O processo de alimentação saudável não é só sobre saúde. Também tem a parte educacional, a parte de desenvolvimento da população. A criança bem alimentada, que vai aprender melhor, vai se desenvolver melhor, ela tem mais chance de romper ciclos de pobreza, de desenvolvimento local. Então, vale muito a pena investir nessa articulação entre secretarias e essas políticas públicas intersetoriais, para fazer essa união mesmo, conseguir fazer tudo funcionar", reforça.

Karina também destaca a importância do currículo escolar abranger a educação alimentar: "A criança tendo contato com isso, ter atividades práticas, ela leva para a vida toda. O próprio ambiente escolar saudável também, com uma refeição balanceada, com algumas atividades de educação alimentar, que engajem, às vezes, a comunidade. Isso é muito importante para a promoção da saúde e da aprendizagem, da criança e da família também. A criança leva para a família o que ela aprende na escola. Mas tem que se cercar de outras áreas também, como agentes de saúde da família ir até os domicílios para fazer uma vigilância e educação nutricional".

*Nomes alterados para preservar a identidade dos entrevistados.

Fonte: Redação Terra

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