Entre campanhas de grandes marcas e capas de revistas renomadas, os elementos da cultura norte-americana tradicional, presente nos conteúdos dos últimos meses, chamam a atenção e causam desconforto nas redes sociais. Periódicos como Vogue, Elle UK e até mesmo a Vanity Fair apostaram em modelos brancas nas fotos, algumas delas vestidas com peças que remetem à bandeira americana ou ao estilo de vida campestre e tradicional. Já labels mundialmente reconhecidas, como a Gap e a American Eagle, exaltam a beleza de mulheres loiras dos olhos claros.

Irmãs Fanning na Vanity Fair
Segurando duas margaridas brancas, as irmãs Dakota e Elle Fanning posaram para a mais recente edição da revista norte-americana Vanity Fair. Na capa, elementos nas peças de roupas das irmãs chamam atenção pela similaridade com a bandeira nacional estadunidense. Entre elas, as estrelas na estampa da blusa de Elle e as listras brancas na roupa vermelha de Dakota.

O toque especial? As margaridas estão conectadas à ingenuidade, pureza e virgindade – características considerada ideais em uma mulher no ideal conservador norte-americano.

Pela cor azul, até mesmo os jeans utilizados entram na construção visual que remete a uma possível propaganda do nacionalismo. Loiras dos olhos claros e vestidas à caráter, é impossível não lembrar do personagem criado em 1870, o Uncle Sam (Tio Sam, em tradução livre), elaborado para as propagandas que recrutavam soldados para a Primeira Guerra Mundial.

Nas roupas, o personagem mantinha os elementos da bandeira norte-americana de forma caricata, assim como as irmãs na capa da revista, mas em um tom um pouco mais leve.
Gigi Hadid e Kendal Jenner como cowgirls
A capa e a polêmica em torno dela lembram a edição de outubro da Vogue com as modelos Kendall Jenner e Gigi Hadid. Em um rancho no estado de Wyoming, as fotos foram feitas pela Lachlan Bailey, e as peças utilizadas pelas modelos seguiram a linha da estética da cowgirl, com botas e chapéus, peças comumente utilizadas pelos conservadores estadunidenses.
Com vestidos longos e montadas em cavalos que correm em um campo vasto, as fotos das modelos para a edição de outubro fizeram parte de um editorial tipicamente campestre, exaltando uma beleza tradicional e romântica. Durante a entrevista, as duas falam sobre a amizade que elas cultivaram ao longos dos anos, e em como elas apreciam a vida no campo, com Jenner comentando sobre como ela imaginava já ter sido uma garota do campo na vida passada.

Detalhes rendados no vestido de seda utilizado por Kendall lembram um estilo de vida conservador, com mulheres felizes, com roupas tradicionais e em uma vida no interior. Nas redes sociais, internautas criticam a falta de criatividade e se questionam sobre qual a real mensagem que a revista escolheu passar.


Elle UK e polêmica com a Rosé
Em meio aos desconfortos do público com as revistas norte-americanas, a Elle UK ainda realizou uma publicação que causou revolta nas redes sociais. Após o desfile da Saint Laurent durante o último Paris Fashion Week, o Instagram oficial da revista publicou uma foto editada em que estavam alinhadas Hailey, Zoë, Charli e cantora sul-coreana Rosé, do Blackpink. Um detalhe não passou despercebido pelos internautas: a revista cortou Rosé da imagem, deixando apenas as primeiras três mulheres.


Os fãs chegaram a acusar o periódico de racismo, devido à origem asiática da compositora. Apesar do posicionamento oficial do portal afirmar que o corte teria ocorrido devido a uma formatação das imagens, a escolha de priorização de quem iria aparecer na publicação denota pouco sentido, considerando que Rosé é atualmente a embaixadora global da Saint Laurent, e a imagem é de um desfile da marca.

Polêmica da American Eagle
Entre os “genes e os jeans”, a American Eagle recuperou um trocadilho polêmico das campanhas de moda dos anos 1980, que se utiliza da homófonia das palavras “jeans” e “genes”, na língua inglesa. A ideia segue o exemplo da campanhas realizda pela Calvin Klein com a atriz Brooke Shields, em que ela explica sobre genética, e a associa com os jeans.
Em uma propaganda feita com atriz Sydney Sweeney, eles repetiram o slogan, dando a ideia de que a protagonista do filme Todos Menos Você tem características genéticas positivas – por ela ser uma mulher branca, loira, dos olhos azuis. Isso reforça uma visão eugenista e incentiva estereótipos de beleza na sociedade.
Confira mais detalhes das demais propagandas polêmicas sobre jeans no link.
Gap e os “bons genes” de Gwyneth Paltrow e Apple Martin
Novamente, com jeans e mulheres loiras, a Gap lançou uma nova coleção com destaque no jeans e inspirada no estilo dos anos 1990. A campanha é estrelada por Gwyneth Paltrow e Apple Martin, filha da atriz com Chris Martin, vocalista da banda Coldplay.


No curta-metragem protagonizado pelas duas, Paltrow descreve o estilo de Martin como “único e simples, mas com um toque diferente”. Apple parece recuperar peças chaves do estilo de Paltrow, utilizadas há 35 anos atrás, em uma campanha que reforça a beleza de mulheres brancas, em jeans azuis.

Retorno do discurso nacionalista estadunidense
Em um momento político diferente, haveria a chance de a imagem das irmãs Fanning, na Vanity Fair, ou mesmo a Gigi e a Hadid, na Vogue, não gerar desconforto. Entretanto, com o crescente retorno do discurso nacionalista no atual governo norte-americano, os simbolismos ativam memórias antigas do que já foi considerado, um dia, o ideal estético e de estilo de vida criado pelo país considerado a maior potência mundial.
Trazer para a indústria da moda elementos considerados parte de uma visão eugenista de mundo, ou mesmo tradicionalistas em volta do estilo de vida feminino, são formas de romantizá-los e causar desejo no público. Uma vez voltando ao ideário estético, esses padrões ameaçam um retrocesso quanto às conquistas das mulheres, que acabam se colocando, por livre e espontânea vontade, nas mesmas caixinhas que elas lutaram por décadas para sair.