Em um abrigo para pessoas em situação de rua em Campinas (SP), duas mulheres se conheceram e cultivaram uma amizade por dois meses. Após esse período, as duas foram presenteadas com uma grande surpresa: a descoberta de que elas são, na verdade, mãe e filha.
A história de Cristiane Duarte da Silva e sua filha, Vitória Duarte Machado, mudou depois que Cristiane apareceu em uma reportagem exibida na segunda-feira (9) pela EPTV, afiliada Rede Globo. A reportagem mostra a formatura de Cristiane e de outros alunos em cursos profissionalizantes oferecidos por uma ONG.
Cristiane e Vitória estão em situação de rua, mas dormem no mesmo endereço, em um abrigo do Instituto Há Esperança. Cristiane frequenta o abrigo da ONG há 20 anos, e Vitória chegou há dois meses. As duas ficaram amigas sem saber dos laços familiares que possuíam.
A revelação aconteceu depois de uma reportagem da EPTV, afiliada Rede Globo, mostrar a formatura de pessoas em situação de rua que participaram de cursos profissionalizantes do Instituto.
Com beca e diploma, a 1ª turma formada celebrou a oportunidade de reinserção no mercado de trabalho na sexta-feira (6). No evento que marca um recomeço, as lágrimas de Cristiane chamaram a atenção.
"O meu tio falou que viu ela na TV. Aí mandou foto, vídeo, e mandou eu procurar ela por aqui, falou que ela estava aqui. Aí eu falei: 'Ela está no mesmo lugar que eu", e fui procurar", conta Vitória.
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Mãe e filha em situação de rua se reúnem depois de reportagem exibida no EPTV2 — Foto: Reprodução EPTV
Recomeço
Cristiane contou que foi parar nas ruas após uma tentativa de abuso sexual de seu padrasto. Com o descrédito da mãe, ela só viu uma alternativa.
Vivendo nas calçadas, Cristiane enfrentou a fome, o medo e o frio. Também viu o preconceito e o descaso de perto. "Às vezes, tem uns que chegam a jogar até lixo na gente", relata.
Aos 41 anos, Cristiane se formou em confeitaria, informática e fez também um curso de elétrica. No dia da formatura, com lágrimas nos olhos, ela comemorou a conquista.
"É uma emoção. A gente faz o curso e acaba tendo um diploma. Nunca imaginei que isso poderia acontecer", afirma.
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Aos 41 anos, Cristiane se formou em confeitaria, informática e fez até curso de elétrica com ajuda de ONG, em Campinas — Foto: Reprodução EPTV
Ela ganhou acessórios para iniciar no mercado de trabalho, mas o presente maior estava por vir. Depois que o tio viu a reportagem e conversou com Vitória, a jovem contou à Cristiane e pediu uma foto, para que o tio confirmasse a informação.
"Ela falou pra mim: 'Eu descobri três coisas sobre você'. Ela falou: 'Que você é a minha mãe, e que meu tio viu a reportagem na televisão e falou pra mim que você é a minha mãe. Aí ela tirou uma foto minha e o tio dela falou: 'É essa mesmo'", diz Cristiane.
"Eu saí gritando: 'Achei, achei, achei!'. Aí o povo tudo sem entender nada, vem um menino ali e perguntou: 'Achou o quê?' Eu falei: 'Achei minha mãe!'", narra Vitória.
E como é um abraço de mãe depois de 20 anos? "É a melhor coisa do mundo", responde a filha.
A coordenadora do Instituto Há Esperança, Roberta Dantas, conta que todo o refeitório do abrigo, com cerca de 170 pessoas, foi tomado pela emoção.
"Eu trabalho com pessoas em situação de rua há mais de 15 anos, na área da assistência há mais de 25 anos, e a gente não tinha uma história dessa", comenta.
Separadas por 20 anos
O isolamento aconteceu por vários motivos, entre eles o uso de drogas e brigas familiares. Cristiane conta que tentou contato com a filha, sem sucesso. Hoje, Vitória tem 21 anos.
"[Em] um local onde eles moravam, a família deles disse que eles não moravam mais lá, eles tinham ido embora. Eu procurava, mandava carta pra ela, e eu nunca recebia a resposta das cartas", relembra Cristiane.
A mãe conta que as preocupações permaneceram, mesmo com a separação: "Todo dia à noite você dorme... Você não sabe se comeu, você não sabe se tá bem, você não sabe se quem está tomando conta, se está judiando, sabe?"
Mesmo antes de saberem que são mãe e filha, os sinais já apareciam.
"Eu cheguei a comentar com uma amiga minha: 'A mesma cirurgia que essa menina tem na boca, a minha filha também tinha'. Eu fui pra pegar a fichinha do café da manhã e ela falou pra mim, com RG na mão: 'Você sabia que a minha mãe tem o mesmo nome que o seu?' Aí, quando eu fiquei sabendo que eu era mãe dela, pra mim foi um choque... de saber que eu conversava com a minha própria filha", diz Cristiane.
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Mãe e filha em situação de rua se reúnem depois de reportagem exibida no EPTV2 — Foto: Reprodução EPTV
E os planos para o futuro?
Cristiane afirma que quer trabalhar para manter a família. "Trabalhar, né? É um cantinho pra gente ficar, porque na rua não dá pra ficar, não dá pra criar uma família na rua", explica.
Ela tem outros dois filhos e sonha em vê-los reunidos. "É a Fernanda e o Juliano, meus dois filhos. Espero ver também, família inteira. Eu falava pra Deus: 'Antes de eu morrer eu tenho que ver meus filhos', porque senão eu não vou sossegar, graças a Deus", finaliza Cristiane, emocionada.