O uso excessivo de telas por crianças e adolescentes deixou de ser apenas uma preocupação de pais atentos — tornou-se um alerta global. No oitavo episódio do F5 Podcast, a jornalista Elaine Sampaio recebeu a psicóloga infanto-juvenil e especialista em orientação parental Betânea Rezende para discutir, com profundidade e empatia, os efeitos do vício digital na infância e adolescência.
Com mais de 13 anos de atuação na área, Betânea compartilhou dados e experiências que escancaram a realidade de muitas famílias: crianças com acesso irrestrito a celulares, tablets e redes sociais, ainda nas fases iniciais do desenvolvimento. “O celular não é brinquedo”, afirmou a psicóloga.
“É uma ferramenta poderosa, que precisa ser entregue com consciência e sob supervisão. Infelizmente, hoje temos bebês de três anos com celulares próprios, o que é completamente desaconselhado. ” A recomendação da Organização Mundial da Saúde é clara: zero telas até os dois anos de idade. A partir daí o tempo deve ser controlado rigorosamente. Para crianças entre 3 e 5 anos, no máximo uma hora por dia. Mesmo assim, o cenário é bem diferente.
A psicóloga relatou que, no Brasil, muitas crianças já ultrapassam esse tempo mesmo antes de completarem três anos. Os efeitos são visíveis: irritabilidade, dificuldade de concentração, alterações no sono, desinteresse por brincadeiras, prejuízo nas relações sociais e até atrasos no desenvolvimento cognitivo e emocional. “O vício em telas compromete habilidades que deveriam ser estimuladas com afeto, interação, movimento e criatividade”, explicou.
Durante a pandemia, o cenário piorou. Com escolas fechadas, isolamento social e pais sobrecarregados entre trabalho remoto e afazeres domésticos, as telas viraram uma alternativa “útil” — mas perigosa. “Foi um marco no uso precoce e prolongado de dispositivos, especialmente entre crianças pequenas. Agora colhemos os reflexos”, pontuou Betânea.
A especialista também ressaltou que os limites devem ser estabelecidos com sensibilidade, mas firmeza. E que o exemplo vem dos pais. “Não adianta exigir que o filho largue o celular se o pai ou a mãe passam horas nas redes sociais. A criança vai seguir o que vê. ” Outro ponto importante debatido no episódio foi a nova legislação que proíbe o uso de celulares nas escolas. Betânea relatou que, após resistência inicial, os benefícios já são perceptíveis: aumento da interação entre os alunos, mais atividades físicas, crescimento no número de empréstimos de livros nas bibliotecas e melhora no comportamento geral. “Essa lei tem ajudado até mesmo as famílias que, por alguma dificuldade, não conseguiam impor limites dentro de casa”, afirmou.
Mas como tirar a criança de um mundo digital que a fascina e a mantém quieta? Betânea foi direta: oferecendo alternativas reais. “A criança responde ao estímulo que recebe. Se os pais criam um ambiente rico em afeto, brincadeiras, diálogo e convivência, ela vai preferir isso às telas. O problema é quando o mundo virtual se torna o único espaço de prazer. ”
Ela defende a revalorização dos espaços públicos seguros, dos projetos sociais, da presença ativa dos pais e da construção de uma infância conectada à realidade — e não a uma tela. “Temos que devolver às crianças a chance de viver a infância como ela é: brincando, se sujando, correndo, errando e aprendendo com os outros. ”
A conversa é um convite à reflexão. Mais do que limitar o uso das telas, o episódio propõe uma mudança de cultura: sair do automático e voltar a olhar nos olhos dos filhos. Porque, como conclui a psicóloga, “a criança sempre vai preferir a companhia dos pais a um celular — desde que esses pais estejam verdadeiramente presentes”. Uma conversa essencial para quem cuida de crianças e quer prepará-las para um mundo cada vez mais digital — sem abrir mão da saúde emocional e da presença humana.