Presos em flagrante, suspeitos de estuprar uma jovem — quando lhe ofereceram carona na viatura na qual trabalhavam, em Diadema, Grande São Paulo –, dois policiais militares defenderam-se à Justiça Militar, na sexta-feira (11/7), alegando que a vítima teria “se interessado por um deles”.
O crime a eles atribuído pela jovem de 20 anos, que enviou áudios e vídeos para familiares após a suposta violência sexual, ocorreu na noite da segunda-feira de Carnaval (3/3).
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O soldado Leo Felipe Aquino da Silva e o cabo James Santana Gomes, do 24º Batalhão, estão atrás das grades desde então, no Presídio Militar Romão Gomes, na zona norte paulistana. A defesa de ambos foi procurada pela reportagem e afirmou, na segunda-feira (14/7), que não iria se manifestar.
O Metrópoles apurou que os policiais, em seus depoimentos ao Tribunal de Justiça Militar (TJM), tentaram deslegitimar o relato da vítima.
Um deles teria afirmado que, além de a garota supostamente ter se interessado por ele, ambos ainda teriam trocado números de telefone, o que foi negado enfaticamente pela jovem.
Os PMs ainda alegaram, na audiência, que a vítima não parecia estar alcoolizada e que não notaram isso “em nenhum momento”. Em vídeos feitos pela jovem, porém, fica nítida a fala pastosa e descoordenada dela.
Além disso, laudos toxicológicos indicam que a ela estava com indícios de álcool e medicamentos em sua corrente sanguínea. A vítima toma remédios de uso controlado, por causa de uma depressão profunda, decorrente de outro abuso sexual, atribuído ao pai dela.
Ele, como revelado pelo Metrópoles, foi arrolado como testemunha de defesa dos PMs, mesmo não presenciando o caso ou conhecendo os réus.
Vídeo
Bebida na viatura
O Metrópoles já mostrou que a jovem teria registrado, com fotografias, bebidas alcoólicas que teriam sido consumidas pelos PMs, no horário de serviço, enquanto mantinham a vítima na viatura.
Ambos negam e, interpelados pela Promotoria, na audiência de sexta-feira, teriam alegado terem mantido um copo com energético no carro policial. O cabo e o soldado, porém, negaram se submeter ao exame do bafômetro, após suas prisões em flagrante.
Ainda em depoimento, um dos PMs entrou em contradição ao afirmar que não jogou o celular da vítima fora, mas somente a bolsa e um item carnavalesco dela, na beira de uma estrada, após percebê-los na viatura. Um registro em vídeo, porém, mostra que ele colocou o celular da jovem dentro da bolsa e, após isso, jogou os itens pela janela.
No celular dispensado pelo PM estariam as fotos que provariam a presença de bebidas alcoólicas na viatura. Antes disso, a jovem conseguiu enviar alguns áudios e vídeos pedindo ajuda para a família.
Abuso paterno
O Metrópoles apurou que essa primeira audiência, feita virtualmente, começou por volta das 14h. O soldado e o cabo prestaram seus depoimentos em uma sala do Presídio Militar Romão Gomes
Arrolado como testemunha de defesa dos PMs, o pai da jovem foi questionado se atualmente responde a algum processo, situação negada por ele. Quando foi inquerido se era investigado por algum crime, ele então admitiu que pelo “abuso da filha”. As mesmas questões — sem nenhuma relação direta com o estupro na viatura — foram feitas a ele pela defesa dos PMs, após as quais o TJM dispensou a testemunha.
Em setembro do ano passado, a vítima procurou o 69º Distrito Policial (Teotônio Vilela), onde registrou um boletim de ocorrência de violência doméstica e de crime sexual.
No documento, obtido pela reportagem, a jovem relatou que morava com o pai na ocasião do suposto crime, acrescentando que o relacionamento com ele “é bastante conturbado”. Para ilustrar a tensão entre ambos, ela afirmou que, quando chegou na residência, acompanhada pelo namorado, em 13 de setembro passado, o pai dela, juntamente com a madrasta, teriam gritado com o rapaz, “sem qualquer motivo”.
A jovem, após a série de abusos atribuídos ao pai, saiu da casa dele e foi morar com a mãe, quando decidiu registrar as denúncias de assédios e abusos.
A defesa do homem não foi localizada até a publicação desta reportagem, o espaço segue aberto para manifestações.
Estupro no carnaval
A jovem que afirma ter sido estuprada pelos PMs enviou ao menos 12 áudios para familiares, depois de sofrer o suposto abuso sexual.O Metrópoles publicou em primeira mão dois dos registros, nos quais é possível ouvir a moça indignada dialogando com os PMs do 24º Batalhão de Diadema. Todos os registros encaminhados pela jovem foram anexados como prova em dois inquéritos que investigaram o caso — um instaurado pela Polícia Civil e, outro, pela Corregedoria da Polícia Militar.
Na ocasião das prisões, a defesa do soldado Leo Felipe Aquino da Silva e do cabo James Santana Gomes negou as acusações e afirmou, em nota, que ambos iriam dar as versões do caso no decorrer do processo.
Desmentidos
Em um vídeo, divulgado em primeira mão pelo Metrópoles, os policiais afirmavam desconhecer o endereço da vítima, enquanto circulavam com ela em um bairro não identificado. Um dos áudios, porém, desmente os policiais.
No vídeo em que o cabo e o soldado fingem desconhecimento, um deles diz: “tamo [sic] tentando te ajudar e tamo perdido […] moça eu não conheço o caminho da sua casa”.
A afirmação dos PMs revolta da vítima. Aos gritos, ela afirma que eles estão mentindo. Já em um dos áudios obtido pela reportagem é possível ouvir os policiais dialogando com a jovem, que lhes informa o nome da rua onde mora. Além disso, ela reforça o fato de os PMs estarem supostamente consumindo bebidas alcoólicas.
“Eu tirei foto, eu tirei foto. Vocês não estão bebendo dentro da viatura?”, diz a vítima.
Ela começou a compartilhar os vídeos e áudios, para a família, logo após o suposto abuso sexual. A última mensagem enviada pela jovem ocorreu por volta das 22h do dia 2 de março. Os PMs teriam roubado o celular dela, para sumir com eventuais provas que a vítima não teve tempo de compartilhar, afirmou a mãe da jovem. Depois disso, os policiais a abandonaram na Rodovia Anchieta, descalça e machucada, levando, além do celular, a bolsa da moça.
A jovem contou ainda que precisou entrar na frente de carros, que trafegavam em alta velocidade pela rodovia, até conseguir ser levada até o 26º Distrito Policial (Sacomã), já na capital paulista. A vítima chegou abalada à delegacia. Policiais civis de plantão acionaram uma ambulância, que a levou até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Liberdade, no centro paulistano, onde foi encontrada pelos familiares e detalhou o suposto abuso sexual.