Vítima de estupro coletivo há seis anos, uma jovem de 23 anos diz esperar a punição dos três autores, que ainda postaram na internet o vídeo do momento do crime. Nayara Rubbya David Santana, que mora em Cuiabá, recebeu acompanhamento psicológico por quatro anos e hoje afirma não sentir vergonha de comentar sobre o caso. Segundo ela, as vítimas de violência sexual enfrentam certo preconceito, enquanto quem comete o crime, em alguns casos, como o dela, não são punidos.
Ela disse que tenta seguir a vida da melhor forma possível após o crime. Mora com a mãe e o filho, de 5 anos, e trabalha em um supermercado da capital.
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Aos 16 anos, Nayara foi estuprada por três jovens, na casa de uma amiga, em 2009, enquanto dormia. Ela contou que havia ingerido bebida alcoólica na noite anterior e descansava em uma cama quando o crime ocorreu. Um dos homens registrou o estupro e colocou o vídeo em um site.
À época, ela disse que não tinha muita noção da dimensão do caso e que só percebeu a gravidade da situação quando viu o vídeo na internet. Ela se preocupou e questionou os conhecidos que estavam na casa onde ocorreu o crime após chegar em casa e perceber que estava com algumas marcas no corpo.
“No dia em que aconteceu, não fiquei sabendo de nada, ninguém me falou o que tinha acontecido. Quando falei com algumas pessoas sobre as marcas no corpo só me mostraram um colchão onde eu tinha vomitado”, comentou.
Ela cursava o 3º ano do ensino médio. E, depois que o vídeo do crime viralizou na internet e passou a circular entre os alunos, ela não foi mais para a escola. “Fiquei sem sair de casa por mais de um mês pela vergonha que sentia. Por causa disso, não fiz algumas provas, mas como já estava no final do ano os professores acabaram me passando”, explicou.
Os autores do crime moram no mesmo bairro que ela e, algumas vezes, ela já se deparou com alguns dos envolvidos. "Mexe comigo e sempre vai mexer, mas tento não pensar muito nisso”.
Um processo contra os criminosos tramita na Justiça e a primeira audiência sobre o caso deve ser realizada no mês que vem. “Espero muito que a Justiça seja feita. Que eles fiquem presos pelo que fizeram e pelo mal que causaram a mim e a toda a minha família”, defendeu.
Caso recente
Os comentários acerca do estupro coletivo sofrido por uma adolescente de 16 anos, no Rio de Janeiro, recentemente, chocaram Nayara. Alguns desses comentários também foram ouvidos por ela, mas não na internet.
“Ouvi um homem dizer que a gente coloca esses casos como cultura do estupro, mas que na verdade se nós [mulheres] não tivéssemos esse tipo de comportamento promíscuo, essas coisas não aconteceriam'. Quando fazia faculdade, chegaram a falar que a culpa era minha porque eu quis ir para o local”, lembrou.
Sequelas
Nayara diz sentir dificuldades quanto à autoafirmação, sai pouco com amigos e quando o faz toma alguns cuidados.
“Eu tenho muito problemas com insegurança. Então, sempre me questiono sobre o meu potencial, sobre a minha atuação profissional e minha verdadeira competência. Quando estou na rua, indo ou voltando do trabalho, fico prestando atenção no movimento e nas pessoas”, revelou.
Outra situação que a incomodou na época foi a relação com as pessoas que ela considerava amigAs. “Todos eles se afastaram de mim. Ninguém veio na minha casa saber como eu estava, se eu precisava de alguma coisa. Me senti muito culpada e rejeitada por causa disso. Eu ainda falo com duas pessoas que estavam no local, no dia. Mas não é a mesma coisa”, pontuou.
Registros
Entre 1º de janeiro e 30 de maio deste ano, foram registrados 474 casos de estupro em Mato Grosso, sendo que 78 desses casos ocorreram em Cuiabá, de acordo com a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp). A média é de, pelo menos, três casos por dia.
No ano passado, o estado contabilizou 1047 casos de estupro, sendo que 219 desses crimes foram em Cuiabá e 90 foram registrados em Várzea Grande, na região metropolitana.
Segundo a presidente do Conselho dos Direitos da Mulher e defensora pública do Núcleo de Direitos da Mulher, Rosana Leite, esses números podem ser maiores. Ela explica que muitas mulheres deixam de relatar essas abusos por vergonha, medo e, às vezes, culpa.
“Isso precisa mudar. As vítimas devem procurar a delegacia e relatar o abuso sofrido para que o agressor seja punido e o poder público possa entender o que ocorre com as mulheres no estado e trabalhar a prevenção. As vítimas não podem ficar quietas. Nós temos que culpabilizar o verdadeiro culpado e deixar a vítima assumir o papel dela de vítima, ampará-lá”, afirma.